Katarina Witt
29 de janeiro de 2009"Todo meio-dia, eu ia com minhas amigas do jardim-de-infância para o estádio de patinação no gelo, era o que eu gostava de fazer: patinar e pular, e as pessoas te olhando. Era isso o que eu queria. E eu o podia, eu tinha certeza", escreveu Katarina Witt na sua autobiografia Meine Jahre zwischen Pflicht und Kür (Meus anos entre figuras obrigatórias e livres), publicada em 1994.
Patinar, pular e chamar a atenção do público eram seus pontos fortes no gelo. Em 2008, a patinadora artística alemã de maior sucesso mundial abandonou a pista, que era seu mundo, e finalizou sua carreira glamourosa, mas nem sempre sem ser controvertida, que iniciou em 1970 no Esporte Clube Cidade de Karl Marx (hoje Chemnitz).
Dançando em direção ao sucesso
Com apenas 11 anos, no primeiro ano depois que a treinadora de sucesso Jutta Müller começou a treiná-la, Katarina Witt ganhou sua primeira medalha de ouro nos Jogos Infanto-Juvenis do antigo bloco soviético em 1976. A pequena Kati tornou-se na então República Democrática Alemã (RDA) uma esportista exemplar: ela pertencia à organização socialista juvenil FDJ, sua família era discreta, ela tinha aulas particulares e treinava sem parar.
Seu talento e seu carisma, aliados à diligência e à ambição, logo a levaram aos pódios. Primeiramente, em campeonatos nacionais (ela foi campeã da ex-RDA, a antiga Alemanha de regime comunista, de 1981 a 1988), depois também em competições internacionais: a partir de 1983, ela foi campeã europeia seis vezes consecutivas. Em 1984, ela ganhou medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Inverno, em Sarajevo, e no mesmo ano tornou-se pela primeira vez campeã mundial, façanha que repetiria mais três vezes.
Entre o socialismo e o capitalismo
Já nos Jogos Olímpicos de Inverno de Calgary, em 1988, a "mais bela filha de Marx", como foi chamada na época, se tornara um ídolo esportivo de toda a Alemanha, admirada no Leste e no Oeste. Ela fazia o Muro desaparecer na cabeça das pessoas, pelo menos na dos alemães aficionados do esporte. As fronteiras entre os sistemas políticos, no entanto, continuavam. Após a disputa pelo ouro contra a norte-americana Debi Thomas, Katarina Witt comentou: "Foi a total luta de classes. Também para os americanos. (…) E, para nós, foi da mesma forma. Foi uma luta de sistemas".
A esta altura, incursões a países capitalistas eram rotina na vida de Witt, pois tinha liberdade de viajar devido ao esporte. Depois do apogeu em Calgary em 1988, a patinadora encerrou a carreira esportiva e lançou a base para a trajetória profissional no mundo dos espetáculos.
De novembro de 1988 a março de 1989, ela integrou o elenco do show de patinação no gelo da companhia norte-americana Holiday on Ice – uma sensação na época da então Alemanha Oriental. Ela deu assim mais um passo em direção ao "circo de estrelas" do qual nunca mais saiu depois da queda do Muro de Berlim.
Do "mais belo rosto do socialismo" para "cabrita do SED"
Mas, antes, o governo do Leste alemão pôde se aproveitar durante vários anos de seus sucessos esportivos. E não somente isso: a bailarina do gelo também trouxe divisas. Oitenta por cento da receita dos seus espetáculos foram para os cofres da então Alemanha Oriental.
Por outro lado, como preferida dos funcionários socialistas, Katarina Witt gozava de alguns privilégios – seja um carro ou uma máquina de lavar pratos –, o que foi motivo de acusações por parte de seus conterrâneos após a virada de 1989.
De qualquer forma, mais tarde Witt enfrentou bastante resistência – se antes ela era festejada pela mídia como "o mais belo rosto do socialismo", o jornal Bild passou a titulá-la de "cabrita do SED [partido único da antiga Alemanha Oriental]".
Quando, em 1992, se acirraram as acusações da imprensa de que ela teria trabalhado para o Stasi, o serviço secreto da antiga Alemanha Oriental, ela conseguiu que fosse emitida ordem judicial para calar diversas editoras de jornais e respectivos periódicos saxões da imprensa marrom.
David Gill, porta-voz da comissão encarregada dos arquivos da Stasi (BstU) em Berlim, explicou que não existiria nenhum motivo para procurar possíveis dossiês da Stasi sobre o passado da patinadora ou para investigar sua ligação com o antigo serviço secreto da RDA.
Beneficiada e espionada
Dez anos mais tarde, Katarina Witt voltou a ser assunto de discussão pública quando apresentou queixa no Tribunal Administrativo de Berlim contra a publicação de seu dossiê do Stasi. No entanto, Witt retirou a queixa em seguida.
A BStU declarou que, em fevereiro de 2002, "o Tribunal Administrativo de Berlim proferiu decisão expressa – a BstU não pode divulgar nenhum dossiê de Katarina Witt. Marianne Birthler, responsável pelos arquivos do serviço secreto da antiga República Democrática Alemã, é da opinião de que, de acordo com o dossiê, Katarina Witt teria sido beneficiada pelo serviço secreto".
Os contatos entre Witt e o serviço secreto tiveram também outros aspectos. A antiga esportista, classificada pela BStU como "favorecida", havia sido espionada quase ininterruptamente pelo Ministério de Segurança do Estado da então Alemanha Oriental desde 1973. Seu dossiê da Stasi, o "processo operativo" com o codinome "Flop" – do qual 181 páginas estão disponíveis – é, por conseguinte, extenso.
Seu conteúdo foi um choque para Katarina Witt. Ela escreveu em sua autobiografia: "Seria melhor que eu nunca tivesse sabido de algumas coisas. Eu não era nenhuma informante, mas também nenhum membro da resistência. Eu não fui vítima, mas objeto".