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Justiça proíbe governo Bolsonaro de celebrar golpe de 1964

29 de março de 2019

Juíza federal impede que quartéis comemorem início da ditadura militar em 31 de março, conforme ordenou o presidente. Decisão atende a pedido da Defensoria Pública, que mencionou os "horrores" vividos durante o regime.

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O presidente Jair Bolsonaro
Bolsonaro sempre defendeu que não houve ditadura militar no BrasilFoto: Reuters/R. Moraes

A juíza federal Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara de Brasília, proibiu nesta sexta-feira (29/03) o governo do presidente Jair Bolsonaro de realizar eventos em comemoração ao aniversário de 55 anos do golpe militar em 31 de março, data que marcou o início da ditadura no Brasil.

A decisão atende a um pedido da Defensoria Pública da União, que no início da semana entrou com uma ação civil pública a fim de impedir as comemorações. O órgão alegou violação à memória coletiva e à verdade, bem como uso irregular de recursos públicos.

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"Defiro o pedido de tutela de urgência para determinar à União que se abstenha da ordem do dia alusiva ao 31 de março de 1964, prevista pelo ministro da Defesa e comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica", afirmou a juíza, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Ela também determinou que o Ministério da Defesa seja intimado da ordem.

Silva da Luz disse ainda que comemorar o golpe é celebrar "a ruptura política deflagrada pelas Forças Armadas" e vai de encontro ao princípio da prevalência dos direitos humanos, previsto na Constituição brasileira.

A magistrada também mencionou o direito fundamental à memória e à verdade, "com vistas à não repetição de violações contra a integridade da humanidade, preservando a geração presente e as futuras do retrocesso a Estados de exceção".

Silva da Luz já havia intimado Bolsonaro e a União a se manifestarem sobre o caso, mas no âmbito de outra ação movida também na terça-feira na tentativa de barrar as comemorações determinadas pelo governo federal.

Em seu pedido, a Defensoria Pública afirmou que são de conhecimento público os "horrores" vividos durante o regime ditatorial, mencionando relatórios da Comissão da Verdade e dados sobre mortos, torturados e desaparecidos no período, que se estendeu de 1964 a 1985.

O órgão argumentou ainda que comemorar um regime que perseguiu, torturou e assassinou pessoas violaria a moralidade administrativa, bem como a memória coletiva, estimulando "que novos golpes e rupturas democráticas ocorram" e atentando contra a democracia e o Estado de Direito.

Durante a semana, vítimas e parentes de vítimas da ditadura se somaram ao coro e pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que concedesse uma liminar impedindo as comemorações ordenadas pelo presidente. O pedido foi negado na noite desta sexta-feira pelo ministro Gilmar Mendes. A decisão não interfere na determinação da juíza em Brasília.

O ministro argumentou que o instrumento usado pelo grupo, um mandado de segurança, não se aplica ao caso porque buscou atingir a declaração do porta-voz da Presidência – quem anunciou a determinação de comemoração do golpe –, e não um ato formal de uma autoridade pública.

A decisão de Silva da Luz vem no mesmo dia em que um relator da ONU se manifestou sobre o caso, apelando ao governo Bolsonaro para que reconsiderasse seu plano de comemorar os 55 anos do golpe.

Fabián Salvioli, que é relator especial das Nações Unidas sobre promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição, afirmou que celebrar um regime que cometeu "crimes horrendos" é algo "imoral e inadmissível".

Na última segunda-feira, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, anunciou que Bolsonaro havia determinado ao Ministério da Defesa que fossem feitas "comemorações devidas" no próximo domingo, 31 de março, para marcar o início da ditadura militar.

O general ainda afirmou que Bolsonaro não considera que houve um golpe militar em 1964. O próprio presidente disse ao longo da semana que, em sua concepção, não houve ditadura militar no Brasil e defendeu que todo regime, como todo casamento, tem alguns "probleminhas".

Na quinta-feira, ele suavizou o tom. Segundo Bolsonaro, a ordem não foi para que as Forças Armadas comemorem o golpe, mas que "rememorem". "Foi rememorar, rever, ver o que está errado, o que está certo. E usar isso para o bem do Brasil no futuro", afirmou o presidente, que é capitão reformado.

A proibição da juíza deve impedir qualquer evento marcado para o domingo, embora cerimônias já tenham sido realizadas nos últimos dias. Na quinta-feira, houve uma solenidade no Comando Militar do Sudeste com a presença de seis deputados estaduais do PSL, partido de Bolsonaro.

Na manhã desta sexta, o Exército realizou uma cerimônia no pátio do Comando Militar do Planalto, em Brasília, que começou às 8h e durou apenas meia hora. O evento já constava na agenda do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, desde o início da semana, como "Solenidade comemorativa ao dia 31 de março de 1964".

O 31 de março foi retirado do calendário oficial do Exército em 2011 por determinação da então presidente, Dilma Rousseff, que foi torturada no regime ditatorial. Agora, com Bolsonaro na Presidência e diversos militares ocupando cargos ministeriais, o retorno da data à agenda estaria sendo avaliado pelas Forças Armadas.

Bolsonaro sempre afirmou que o período de 21 anos não foi uma ditadura. Durante a votação do impeachment de Dilma, em 2016, ele chegou a homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça de São Paulo como torturador durante o regime militar.

A ditadura militar, que se estendeu de 1964 a 1985, teve início com a derrubada do governo do então presidente democraticamente eleito, João Goulart, e foi marcada por censura à imprensa, fim das eleições diretas para presidente, fechamento do Congresso Nacional, tortura de dissidentes e cassação de direitos.

Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, mais de 8 mil indígenas e ao menos 434 suspeitos de serem dissidentes políticos foram mortos ou desapareceram forçadamente durante o regime. Estima-se ainda que dezenas de milhares de pessoas foram arbitrariamente detidas e torturadas.

EK/ots

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