Comunidade judaica
29 de novembro de 2006Olga Lystova chegou à Alemanha 16 anos atrás, vinda de Moscou. Ele foi uma das primeiras a participar de um programa alemão que apoiava a vinda de judeus à Alemanha. A historiadora da arte, jornalista e tradutora disse que se adaptou à sociedade alemã com relativa facilidade – ao contrário de seu marido, que retornou à Rússia há quatro anos.
"Não foi tão difícil para mim, particularmente porque estudei alemão na universidade", afirma ela. "Meu marido teve mais problemas por causa da língua e porque não era particularmente religioso."
Este é o caso de muitos dos 206 mil imigrantes judeus da antiga União Soviética, que chegaram à Alemanha desde a queda do Muro de Berlim, freqüentemente com pouco dinheiro, nenhum conhecimento de alemão e idéias bastante discrepantes do que significa ser judeu.
Os imigrantes começaram a causar tantas tensões na comunidade, que líderes judaico-alemães apoiaram tacitamente as restrições da lei de imigração alemã, em vigor desde janeiro. Atualmente é muito difícil para judeus russos imigrarem.
"De fato, foi a comunidade judaica alemã que colocou este assunto na mesa, por queixar-se das lacunas no judaísmo dos judeus russos, da falta de conhecimento da língua ou de capacidade de integração," declarou um membro da comunidade judaica. "Mas faz sentido: eles sentem que seu poder está em perigo."
Como resultado, o número de imigrantes judaicos na Alemanha caiu para 617 nos primeiros nove meses de 2006, sendo que – entre 1995 e 2005 – a média era de 15 mil por ano.
Boas-vindas calorosas
Depois do fim do Terceiro Reich, a comunidade judaica – tão próspera antes da Segunda Guerra, com cerca de 600 mil integrantes – contava apenas com aproximadamente 15 mil membros. Em 1991, passou a vigorar uma nova legislação alemã, que permitiu a judeus da antiga União Soviética, os chamados judeus russos, imigrarem com poucas restrições.
Como conseqüência, milhares de judeus até então presos atrás da Cortina de Ferro aproveitaram a nova regulamentação e foram recebidos com boas-vindas calorosas.
A imigração rapidamente dobrou o tamanho da comunidade judaica alemã. Até 1991, eram 30 mil pessoas; em setembro de 2006, o número de imigrantes judeus russos já chegava a 206 mil.
"A nova onda de imigração ajudou a comunidade judaica a atingir a quantidade de pessoas necessária para obter maior influência política", disse Sergey Lagodinsky, consultor do Comitê Judaico Americano, ele próprio imigrante russo. "Eles pensavam que precisavam disso para garantir o futuro da comunidade judaica alemã."
O crescimento certamente ajudou. Em toda a Alemaha, há evidência de um revival judaico nos últimos anos. Um memorial para os seis milhões de judeus vitimados pelo Holocausto foi inaugurado em Berlim no ano passado; três novos rabinos foram ordenados em Dresden em setembro, um acontecimento inédito na Alemanha desde o fim da Segunda Guerra Mundial; e um novo centro judaico foi inaugurado em Munique este mês.
Entretanto, tudo isso só aumentou as tensões dentro da comunidade judaica, na qual os judeus alemães que ficaram após a Guerra representam apenas 15 por cento.
"[Judeus alemães] esperavam um tipo diferente de judeus do que eles obtiveram", comentou Lagodinsky. "Nós nos sentimos judeus, mas não exatamente da forma que eles esperavam que nos sentíssemos. Como resultado, eles pensam que não somos realmente judeus e questionam a razão de estarmos aqui."
Minando recursos
Grande parte do problema vem da incompreensão. Judeus russos, que cresceram sob o comunismo, têm uma experiência e um entendimento muito diferente da religião. Seu judaísmo era cultural e étnico, e uma causa de discriminação na Rússia.
"As pessoas emigradas da Rússia foram moldadas pelo sistema soviético e não estavam acostumadas ao engajamento cívico," declarou Lagodinsky. "Não só não eram religiosos, como freqüentemente anti-religiosos. Além disso, alguns não foram aceitos como judeus pelos judeus alemães, porque suas mães não eram judias."
Como conseqüência, apenas cerca da metade dos judeus imigrados se integrou à comunidade judaica estabelecida, para o desgosto da congregação.
Além disso, a maioria dos judeus russos chegam com muito pouco dinheiro ou chances mínimas de emprego: mais da metade tem mais de 60 anos de idade e vive da ajuda do governo, conforme indicam estudos do Conselho Central de Judeus na Alemanha.
Alguns membros das comunidades judaico-alemãs – que quase chegam a 80 em todo o país – dizem que as instituições estão passando por um momento difícil, pois o grande número de imigrantes está consumindo todos os seus recursos e "pondo em perigo sua existência".
Preocupações israelenses
Entretando, no início de 2004, Israel começou a aumentar a pressão para que o governo alemão tornasse mais rigorosas as leis de imigração. Israel se preocupava com a queda do número de imigrantes judaicos vindos da Rússia e com a tendência de emigração de israelenses para a Alemanha, sobretudo diante da instabilidade política e da falta de oportunidades econômicas em casa.
Por exemplo, em 2004, cerca de 20 mil judeus russos foram para a Alemanha e 11 mil para Israel, de acordo com estatísticas do governo israelense. O número de judeus russos que, por sua vez, deixaram Israel na última década chega a quase 70 mil.
"Eles começaram a fazer pressão, porque isso estava prejudicando não apenas a comunidade judaica daqui, mas também a existência de Israel," declarou um funcionário do Ministério alemão do Interior, que preferiu se manter anônimo. "Eles são da opinião de que Israel é o único lugar para os judeus."
Isso resultou em novas regras, inclusive a exigência de que os imigrantes falem alemão, tenham menos de 45 anos e mostrem que possam se sustentar. As novas restrições também estabelecem que os imigrantes provem descendência judaica – por parte materna – e sejam aceitos por uma congregação judaico-alemã que, então, apoiaria sua vinda. Essas regras aplicam-se apenas a judeus provenientes da ex-União Soviética.
"Este é essencialmente o fim da imigração judaica para a Alemanha," afirmou Lagodinsky.
'Agora é o momento crítico'
Enquanto a maioria acha que as novas restrições à concessão de visto praticamente inviabilizam a vinda de imigrantes judaicos para a Alemanha, o consenso sobre o rumo que a comunidade deverá tomar é bem menor.
Rafael Seligmann, jornalista e membro da comunidade judaica da Alemanha, afirma que é preciso encontrar formas de atrair jovens.
"Temos que atingir o número suficiente de pessoas para assegurar o futuro da comunidade e, para isso, precisamos de pessoas jovens", ressaltou ele. "Mas também devemos garantir um resgate da história e das tradições da coletividade judaica alemã dos últimos 1700 anos."
Já os recém-chegados dizem que, em vez disso, é preciso olhar para o futuro, a fim de criar uma nova identidade judaica que seja comum a todos.
"Parem de falar em integrar os russos. Vocês não podem falar em integrar 85 por cento das pessoas em 15 por cento. Isso é paternalista e inviável", declarou Lagodinsky. "Em vez disso, temos que começar um debate sobre a nova comunidade judaica e sobre como ela será. Agora é o momento crítico para começar – o futuro desta comunidade depende do que for decidido agora."