Quem tem mais de 40 anos lembra como era a experiência de ver um filme pornô na adolescência. Basicamente, esse era um acontecimento marcante, que acontecia uma vez na vida quando algum amigo conseguia uma fita de VHS (para os mais velhos) ou um DVD pornô. A turma se juntava e, escondidos dos pais, assistiam àquela coisa "secreta".
O que nós, mulheres, víamos nas telas com baixa resolução não era exatamente animador, pois nos filmes pornôs, em sua grandessíssima maioria, o sexo mostrado era (e ainda é) focado no prazer masculino.
Para a geração Z, que já cresceu com a internet acessível para todos, a coisa é diferente, mas nem tanto. Ter acesso aos vídeos é moleza: basta dar um Google (quem nunca?). Mas algo ainda não mudou: o sexo exibido é, em geral, aquele que prioriza o prazer masculino – se é que a maioria dos homens gosta mesmo daquele tipo de sexo acrobático, o que eu duvido.
Mas nesses vídeos todas as mulheres parecem curtir posições sexuais desconfortáveis, levar uns tapas e, pasmem, "ser estranguladas" durante o sexo.
Sim, eu também levei um susto. Mas pesquisas mostram que a prática do estrangulamento está cada vez mais comum entre os jovens, causando preocupação em especialistas em sexualidade e em médicos, pois essa prática requer muitos cuidados para ser segura. E, sem cuidado, pode até matar.
Sexo violento é moda
O choking (estrangulamento) já é visto como uma tendência sexual entre os jovens (o que já me parece estranho, visto que sexo não devia seguir modinha). Mas os pesquisadores mostram isso. Um levantamento da Universidade de Indiana realizado em 2022 concluiu que 58% das estudantes universitárias entrevistadas já haviam sido estranguladas durante o sexo. A mesma pesquisa concluiu que parte dessas mulheres fez isso para agradar os caras.
Segundo um artigo de opinião publicado no New York Times, uma pesquisa feita nos últimos quatro anos pela professora Deby Herbenick, da mesma universidade, mostra "o rápido aumento do sexo violento entre estudantes universitários", especialmente com prática do estrangulamento sexual.
De acordo com o jornal, quase dois terços das mulheres entrevistadas no mais recente levantamento da pesquisadora, que contou com 5.000 estudantes de uma grande universidade, disseram já ter sido estranguladas por parceiros durante o sexo. Ainda mais chocante: já entre as meninas com idade entre 12 e 17 anos, o número chega a uma em cada quatro entrevistadas.
Claro que não estou falando que adultos responsáveis não sejam livres para praticarem seus fetiches com consentimento. Cada um gosta de uma coisa e, respeitando o parceiro, está tudo bem. Porém, não é nada ok achar que "precisa" fazer coisas sem querer no sexo para não perder o cara, ou porque "todo mundo faz", ou para "não parecer careta".
Eu realmente duvido que uma em cada quatro meninas jovens curta ser estrangulada. Elas estão iniciando a vida sexual, algo que por si só não é um processo fácil para as mulheres, e pode agora ter ficado ainda mais traumático.
Ou seja, o tempo muda, o feminismo avança, mas mulheres ainda se sentem obrigadas a fazer coisas que não gostam na cama para "agradar os homens", assim como acontecia nos anos 1990 e 2000, quando revistas estampavam em suas capas, sem o menor constrangimento, títulos como Dez dicas para agradar seu homem na cama e por aí vai.
Também sinto pelos meninos, claro. Eles aprendem com a pornografia que precisam ser "incansáveis", "dar no couro" e outras expressões que deviam ter ficado no passado junto com as fitas VHS.
Não, sexo de vídeo pornô não é vida real. Eles são feitos por atores que seguem roteiros estereotipados que pouco tem a ver com a realidade (não, você não precisa transar em cinco posições diferentes). Na vida real, as coisas são bem mais simples (ou deveriam ser).
Garotos e garotas precisam entender de uma vez por todas que a melhor maneira de fazer sexo não é seguir o que vê em filmes. E, claro, é preciso repetir que não devemos nos submeter a nenhuma prática sexual se não tivermos vontade. Além disso, claro, o consentimento (ou não) do parceiro (a) é soberano.
E tem gente que acha que educação sexual não importa ou é coisa de quem quer "destruir a família". Não é nada disso. Esse tipo de "tendência" só deixa claro que educação sexual é uma questão de saúde pública. E urgente.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.