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Jogos quenianos de poder

Sella Oneko (sv)2 de abril de 2015

"Achávamos que éramos independentes, mas não sabíamos o que era independência de verdade", diz vó Anyango. Em 1964, ela casa-se com o político Ramogi Achieng Oneko, cuja história está fortemente ligada à do Quênia.

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Foto: picture-alliance/dpa

Como Ramogi Achieng Oneko e Jomo Kenyatta se tornaram companheiros?

O ativista político Jomo Kenyatta viveu durante 15 anos na Inglaterra. Ele viajou pela Europa e aderiu ao pan-africanismo. Quando regressou a seu país de origem, passou a atuar na União Africana do Quênia (KAU), o primeiro agrupamento político criado para representar todos os quenianos, independentemente de origem étnica. Pouco depois, Kenyatta já seria eleito presidente da KAU. Por volta de 1946, Ramogi Achieng Oneko passou a integrar a KAU.

Naquela época, o Quênia ainda era colônia do Reino Unido. E a resistência aos ocupadores britânicos aumentava. Em 1952, o governo colonial declarou estado de emergência no país. Oneko era secretário-geral da KAU, tendo sido preso junto com Kenyatta e outros quatro ativistas e levado a julgamento na distante localidade de Kapenguria. Naquele momento, os seis homens foram acusados de liderar o movimento de guerrilha Mau Mau, temido pelos britânicos. Ramogi Achieng Oneko foi o único a ser liberto, para pouco depois ser novamente detido em frente ao tribunal. Ele e os outros acusados pagaram uma pena de nove anos de prisão.

Unabhängigkeitstag Kenia 12.12.1963 Jomo Kenyatta
Em 1963, o príncipe Philip passou o poder a Jomo KenyattaFoto: -/AFP/Getty Images

Depois da libertação dos seis, a elite política do Quênia declarou apoio a Jomo Kenyatta, visto como o líder político da classe. Oneko era secretário pessoal de Kenyatta, tendo acompanhado o líder na luta pela independência do país. "Oneko via em Kenyatta uma espécie de figura paterna", conta Anyango Oneko.

O dia 12 de dezembro de 1963 marcou a criação da República do Quênia. O partido de Jomo Kenyatta, a União Nacional Africana do Quênia (KANU), foi formado a partir dos quadros da KAU e compôs o primeiro governo, que assim permaneceria durante os próximos 38 anos.

O que levou à cisão política?

Pouco tempo depois, a insatisfação já era visível dentro do governo. As terras do país, que se mantinham como nos tempos coloniais, deveriam ser divididas igualitariamente. Além disso, aqueles que sofreram na luta pela independência, sobretudo os rebeldes Mau-Mau, deveriam ser indenizados. No entanto, as promessas não foram cumpridas e muitos membros do partido se sentiram enganados. As facções se dividiram, levando à formação de grupos de esquerda, de um lado, e capitalistas, de outro. A origem étnica também desempenhou um papel nesta divisão.

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Vô Oneko (ao centro) sendo recebido em seu povoado de origem depois de ser libertadoFoto: privat

Dois anos depois da criação da República do Quênia, um assassinato de motivação política abalou o país. O ativista, político e jornalista Pio Gama Pinto foi morto em frente à própria casa. Consta que ele tentava provar a corrupção do governo. Dizem que Gama Pinto era um bom amigo da família. Oneko e ele passaram alguns anos juntos na prisão na Ilha Manda, localizada em frente à costa norte do Quênia.

Em 1966, muitos membros da KANU deixaram o partido e fundaram a facção de oposição de esquerda KPU (União dos Povos do Quênia). Oneko era ministro da Informação naquele momento. Numa decisão difícil, ele acabou optando por deixar a KANU e se afastar de Kenyatta, tendo justificado da seguinte forma sua renúncia: "O enriquecimento pessoal passou a ser o lema do partido". Nos anos subsequentes, membros da oposição foram presos e espezinhados e alguns foram encontrados mortos. O Parlamento modificou as leis do país, a fim de conceder mais poder ao presidente.

No dia 5 de julho de 1969, Tom Mboya foi morto à queima-roupa na rua. Ele era membro do partido do governo, embora fizesse parte do grupo étnico Luo, que apoiava em sua maioria a oposição. Pouco tempo depois, Kenyatta visitou a região dominada pela oposição. Durante a cerimônia de inauguração de um hospital, ele foi confrontado, de súbito, com uma multidão irada. As forças de segurança acabaram por assassinar pelo menos dez pessoas durante este episódio.

A seguir, Kenyatta proibiu o partido de oposição e mandou prender seus líderes, inckusive Oneko. Tudo isso aconteceu sem qualquer processo jurídico para legitimar as ações, tendo Kenyatta justificado as prisões sob o argumento de que se tratava de uma medida de segurança. Oneko ficou cinco anos preso. Sua família ficou isolada durante este período. Embora suas duas mulheres tenham pedido sua libertação, Kenyatta não cedeu. Oneko só foi libertado quando seu filho mais velho, Ong'onga Achieng, apelou a Margaret, filha de Kenyatta.

Qual foi a herança nacional deixada por Kenyatta?

Kenyatta morreu inesperadamente em 1978 e, apesar de seu estilo autoritário de governar, é considerado um dos fundadores da nação queniana. Ele passou nove anos sofrendo na prisão, mas conseguiu dar ao povo a dignidade de um Estado, representando desta forma todos aqueles que combateram em prol da independência do país. Em 1969, ao eliminar a oposição, ele acabou transformando o Quênia num Estado de partido único, abrindo caminho para Daniel Arap Moi, seu sucessor no cargo e ainda mais repressor, que transformou em 1982 o sistema de um só partido em lei nacional.

Kenia Wahl 2013
Últimas eleições, de 2013, foram consideradas justasFoto: DW/J.Shimanyula

Segundo o historiador holandês Wiegert de Leeuw, embora sob o governo de Kenyatta tenha havido apenas um partido, qualquer pessoa no país podia, do ponto de vista prático, se candidatar pela legenda da KANU. "O interessante é que no Parlamento havia uma grande oposição ao governo, mas todos os opositores eram, ainda assim, membros da KANU", completa De Leeuw. Sob o governo Moi, observa o historiador, isso já não era mais possível.

Em 1988, a KANU se fortaleceu ainda mais como partido. E Moi usou essa estrutura partidária para alcançar seus objetivos, não permitindo mais que críticos à facção se candidatassem pela legenda. Naquele momento, aumentou também o número de prisões. A conduta frente aos manifestantes passou a ser mais dura e os métodos de tortura aplicados pelos serviços secretos ficaram mais atrozes.

Sob pressão da comunidade internacional, Moi foi obrigado a encerrar seu domínio no ano de 2001, quando o poder foi assumido por uma coalizão de partidos de oposição. Chegava ao fim uma era de 38 anos de domínio da KANU – período durante o qual o país teve apenas dois presidentes. O tão esperado recomeço acabou, contudo, não acontecendo até hoje.

Embora o Quênia passe por uma fase de prosperidade econômica, o país ainda é assolado por corrupção e nepotismo, além de muito marcado por tensões entre grupos étnicos. Observadores avaliaram as eleições mais recentes, que aconteceram em 2013, como um pleito justo. Hoje o país é governado por Uhuru, filho de Jomo Kenyatta.