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Jogadores elevam pressão sobre Fifa por jogos sob calor em Mundiais

Ivana Ebel18 de setembro de 2013

Problema das altas temperaturas no Qatar e até no Brasil leva federação de atletas a cobrar medidas para minimizar riscos, como mudança no calendário. Brasileiros que já atuaram no mundo árabe e médicos reforçam coro.

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Torcedores durante partida de futebol no Qatar: temperatura média no verão é superior a 40 graus CelsiusFoto: AP

A Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro) decidiu em assembleia nesta quarta-feira (18/09) pressionar a Fifa para que tome medidas a fim de minimizar os riscos em partidas sob calor intenso. A decisão renovou a discussão em torno da polêmica, já reforçada desde a semana passada pelo próprio presidente da Fifa, Joseph Blatter, que afirmou que a escolha do Qatar como sede da Copa de 2022 pode ter sido um erro.

No centro das preocupações está a saúde dos jogadores. Especialistas alertam que, em condições críticas, os atletas podem sofrer até mesmo danos cerebrais. Quem já jogou no Qatar ou tem experência com condições extremas do clima brasileiro durante a prática esportiva confirma os temores, que podem ter reflexos já na disputa do Mundial do Brasil, no ano que vem.

"Do jeito que está [programado para 2014] não dá. É um risco muito grande para a saúde do atleta", diz o fisiologista Turíbio Leite de Barros, que atua há 35 anos no futebol profissional e assinou parte do laudo dos estudos que serviram de base para a decisão da FIFPro.

Condições extremas

A FIFPro considera os padrões estabelecidos pela Fifa superficiais e pede um aprofundamento das normas de segurança médica de referência. Em nota, sugeriu que modelos usados em países habituados ao calor extremo possam ser adotados nas competições oficiais. A entidade não questiona a escolha das sedes dos Mundiais, nem o calendário, mas pede garantias de saúde e condições para atletas e torcedores.

A entidade não dá alternativas, mas entre as medidas até aqui especuladas estaria a mudança da sede de 2022 ou, como Blatter chegou a sugerir, uma alteração no calendário. Os jogos no Qatar seriam transferidos para épocas de temperaturas mais amenas, como janeiro ou novembro – no verão a média é superior a 40ºC. A saída, porém, impactaria as tradicionais agendas do futebol mundial.

O estudo usado pela FIFPro ainda é sigiloso e, segundo Turíbio, será enviado diretamente à Fifa. Ele antecipa, no entanto, que os resultados mostram, entre outras coisas, como o calor excessivo pode provocar hipertermia e que as consequências podem ser de desconforto, náuseas, tonturas, síncopes ou mesmo danos cerebrais em casos extremos.

Joseph Blatter disse que escolha do Qatar pode ter sido equivocada
Joseph Blatter disse que escolha do Catar pode ter sido equivocadaFoto: picture-alliance/dpa

Os resultados prévios foram apresentados pelo Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo na reunião da FIFpro com base em um trabalho feito em quatro cidades brasileiras: Fortaleza, Brasília, São Paulo e Manaus. Em jogos simulados, atletas de equipes militares ou equipes de base dos clubes ingeriram uma cápsula parecida com um comprimido, mas equipada com um sensor térmico e entraram em campo.

As partidas foram disputadas em horários semelhantes aos previstos pelo calendário da Fifa para o Mundial do Brasil, em uma tentativa de antecipar as condições que os atletas vão enfrentar na Copa.

Riscos à saúde

O fisiologista Orlando Laitano, professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco em Petrolina (PE), explica que as células do corpo funcionam adequadamente apenas em uma faixa muito estreita de temperatura – entre 36,3 e 37,5 graus.

Segundo ele, essa temperatura tende a ser mais baixa em situações de repouso e cresce com a prática de exercícios, já que nem toda a energia química usada pelo corpo em um movimento é usada para mover os músculos.

"Costumo dizer aos meus alunos que o processo é ineficiente, já que 60% de toda a queima é transformada em energia térmica", afirma Laitano, que faz consultoria em hidratação para atletas da elite do futebol profissional brasileiro.

Karlsruher SC - FC St. Pauli
Alta temperatura pode levar a mudança no horário dos jogos em MundiaisFoto: picture-alliance/dpa/Uli Deck

Para regular a temperatura, um dos recursos do organismo é suar e, dessa forma, a umidade do ar pode ter uma influência ainda maior do que a temperatura do ambiente.

Um cálculo matemático leva em consideração a temperatura, a umidade e ainda a incidência de raios solares, entre outros indicadores técnicos medidos com equipamento específico, e permite identificar a segurança para a prática de exercícios, definindo a chamada Wet Bulb Glob Temperature (WBGT). Quando esse índice aponta temperaturas a partir de 29,4 WBGT, praticar exercícios requer atenção extra.

Mas em situações severas, para amenizar a perda de líquidos e ajudar na regulagem da temperatura corporal, água não é o suficiente. Laitano explica que no futebol de alto desempenho os jogadores tem planos de hidratação individualizados.

"Cada um tem sua bebida personalizada para repor o que mais perde durante a partida", explica. Para ele, a maior dificuldade de jogos em condições extremas é a ausência de pausas para a hidratação e a intensidade da competição, com pouco tempo entre uma partida e outra.

"Nem camelo aguenta"

O atacante Grafite conhece bem essa realidade. Ele disputa atualmente sua terceira temporada em Dubai, onde o clima não é muito diferente do Qatar. "Nós só jogamos à noite e treinamos também à noite. Durante o dia realmente fica complicado. No verão então, treinamento só muito tarde ou temos que ir para a Europa", comenta. "Em uma Copa no verão do Qatar, com certeza vários times vão sofrer."

Grafite, que deixou o Wolfsburf para seguir carreira em Dubai, está preocupado
Grafite, que deixou o Wolfsburf para seguir carreira em Dubai, está preocupadoFoto: dapd

Quem já jogou no Qatar conhece ainda melhor o calor que espera as seleções em 2022. O meia Alex, hoje no Internacional, teve a experiência entre 2011 e 2012. Ele confia na tecnologia para driblar o calor, mas vê como melhor saída a transferência da Copa para o inverno.

"Eu acho que o problema da Copa nunca vai ser nos estádios, pois vão ser todos climatizados", opina. "No verão, treinar ou jogar à noite também não faz tanta diferença, de qualquer forma será uma temperatura de 42, 43 graus. Até o pessoal de lá sofre. É um calor que nem camelo aguenta."

O atacante do Corinthians Emerson Sheik não só viveu no país como adquiriu a nacionalidade e defendeu a seleção de lá. "Realmente o calor no verão é muito grande no Qatar. Nesta época, é comum treinarmos na maioria das vezes à noite e as partidas também são disputadas quando o sol se põe", explica o atleta. "Não sei se o horário será bom comercialmente, mas é a maneira mais eficaz de driblar o calor."

Como driblar a temperatura

Horários determinados por acordos comerciais também preocupam o médico Rafael Benoliel. Ele trabalha com futebol desde 1998 e hoje responde pelo plantel do Nacional de Manaus. No coração da floresta amazônica, onde faz calor o ano inteiro, o clube precisou encontrar alternativas para preservar a saúde dos atletas. "Os treinos são no fim da tarde, e os jogos são marcados para as 17h ou 18 horas, quando já não faz mais tanto calor", explica o médico.

Calor pode ter ajudado a campanha vitoriosa do Brasil na Copa das Confederações
Calor pode ter ajudado a campanha vitoriosa do Brasil na Copa das ConfederaçõesFoto: Getty Images

Para o médico Turíbio Leite de Barros, o que importa é que sejam oferecidas alternativas. Ele sugere a mudança de horário dos jogos nas cidades mais quentes, mas prevê ainda a soma de medidas paliativas. "Podem ser usados artifícios como duas paradas técnicas ou a instalação de sprays de água nas laterais do campo para diminuir a sensação de calor".

Já para reduzir os problemas de hipertermia e desidratração, Benoliel confia na evolução da medicina esportiva e, como Laitano, acredita que os riscos podem ser muito pequenos com o trabalho adequado.

Para Laitano, o impacto maior pode ser no desempenho e no ritmo das partidas. "Podemos ver um padrão de jogo mais lento, já que, embora reajam de forma diferente, todos os atletas serão submetidos ao mesmo estresse térmico", pondera. No entanto, Benoliel é mais otimista e arrisca um prognóstico para as partidas disputadas na Copa de 2014 ou no Qatar, em 2022, com temperaturas elevadas: "Fisicamente, o Brasil já entra com condições de 20 a 30% maiores de vencer."