João Bosco brilha
19 de outubro de 2006A 17ª noite do festival Enjoy Jazz, em Ludwigshafen, foi de lavar a alma dos amantes do chamado latin jazz. De um lado, o cantor, compositor e violonista mineiro João Bosco, do outro uma das maiores autoridades em piano da cena jazzística contemporânea, o cubano Gonzalo Rubalcaba.
A expectativa em torno da apresentação da dupla era grande, e o público compareceu em peso, lotando a sala do espaço Das Haus, para alegria dos organizadores da oitava edição do evento. Com apenas 43 anos (e aparência de 30), Gonzalo Rubalcaba, já dispõe de um currículo invejável no gênero musical norte-americano – do qual constam atuações com Chick Corea, Charlie Haden e Pat Metheney, entre outras legendas do jazz.
Mas quem pagou ingresso para admirar as concorridas performances do cubano teve que se resignar com o predomínio de João Bosco, que preencheu quase todo o repertório da noite com suas composições. Acompanhando Bosco e Rubalcaba estava o afiado trio brasileiro, formado por Nelson Faria na guitarra, Kiko Freitas, bateria e Ney Conceição, baixo.
Exuberância musical de Brasil e Cuba
João Bosco e Gonzalo Rubalcaba se apresentaram juntos pela primeira vez no Festival de Ilhabela, São Paulo, em 2000. O encontro deu tão certo, que a parceria entre os dois músicos continua rendendo muitos frutos.
Só nesta turnê de 2006 serão 20 concertos em países como a Alemanha, Turquia, Espanha, Portugal, França e Áustria. E Bosco e Rubalcaba prometem mais: "Estamos no processo de chegar a um repertório que nos deixe contentes em gravar. A hora de fazer um disco registrando esse trabalho está chegando", revelou o brasileiro.
Os dois não poupam elogios mútuos, e, conscientes da incrível musicalidade que brotou em Cuba e no Brasil, o projeto ganha consistência quase política.
"Países como os nossos, que têm todo um passado rico em termos de colonização, cresceram sem preconceitos de se relacionar com qualquer tipo de fundamento cultural. Essa é a razão pela qual Brasil e Cuba se convertem em países privilegiados. Jobim, Milton, e as chamadas formas pequenas de gêneros como o bolero, a bachata, o samba e a bossa-nova são equivalentes às grandes formas européias como as sinfonias e as valsas. Os elementos que compõem nossos gêneros musicais são muito ambiciosos, e trazem uma quantidade de códigos de origens as mais diversas", percebe Gonzalo.
Afinidade estética
Os pontos altos da noite foram Odilê, Odilá, inspirada parceria de Bosco e Martinho da Vila, Águas de Março, de Tom Jobim e Drume Negrita, clássico do cancioneiro latino-americano, de autoria de Eliseo Grenet.
A inclusão de A Rã, de João Donato no repertório não poderia ter sido mais oportuna, afinal o compositor é reconhecido como o pianista brasileiro mais íntimo do universo musical caribenho. E não faltou, é claro o bom bolero: "Papel Machê é uma música completamente inspirada no mundo cubano", afirmou João Bosco.
O programa impresso, distribuído aos cerca de 600 espectadores, apresentava João Bosco como grande ícone da música popular brasileira de todos os tempos. Nele, o jornalista Rainer Köhl, do diário Rhein-Neckar Zeitung sentenciou: "As letras cômicas e surreais de Aldir Blanc, para as quais Bosco compôs seus não menos geniais sambas e bossas-novas, fizeram do músico um artista cult por excelência. Com interpretações vocais cheias de carisma e seu estilo balançado de tocar violão, Bosco se fez conhecido no mundo inteiro, mesclando estilisticamente jazz, flamenco, música clássica e elementos árabes."
Um festival de atrações
O Enjoy Jazz, que acontece de 1° de outubro a 11 de novembro simultaneamente nas cidades de Heidelberg, Mannheim e Ludwigshafen, é considerado por muitos o melhor festival musical desse ano na Alemanha. Além da noite que reuniu os músicos latinos, haverá também apresentações do saxofonista Wayne Shorter e quarteto, do baixista Ron Carter e seu Golden Striker Trio, além de Branford Marsalis, também grande destaque da cena jazzística norte-americana.
Outra atração do evento foi o encontro em Heidelberg, no dia de 10 de outubro, entre jornalistas dos conceituados Die Zeit e Süddeutsche Zeitung e o visionário produtor Manfred Eicher, criador e principal responsável pelo selo fonográfico alemão ECM Records.
Este é considerado referência máxima do que melhor se produziu no mundo inteiro, em termos de música instrumental, a partir da década de 80. A ECM também lançou álbuns antológicos de artistas brasileiros como Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, com repercussão internacional.