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Japão acima de tudo?

5 de fevereiro de 2020

Após vários comentários nada simpáticos em relação ao Japão, o presidente compartilhou um vídeo com a proposta de trocar a população do Brasil pela japonesa. Talvez fosse mais fácil o próprio presidente deixar o país.

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Bolsonaro em Osaka, no Japão, onde foi realizada cúpula do G20 em junho de 2019
Bolsonaro em Osaka, no Japão, onde foi realizada cúpula do G20 em junho de 2019Foto: Agência Brasil/A. Santos

Caros brasileiros,

imaginem um Brasil japonês! Um Brasil onde a população brasileira foi "trocada" pela japonesa. Que maravilha!

O jornalista Alexandre Garcia parece ter tido esse sonho. Alguns dias atrás, ele propôs trocar a população brasileira pela do Japão. No sonho dele, ele previu que, em dez anos, os japoneses transformariam o país em "primeira potência do mundo".

O presidente Bolsonaro gostou. No Twitter ele comentou: "Alexandre Garcia: 2 minutos para mudar o Brasil. Essa é para assistir algumas vezes e compartilhar muitas."

Sinto muito, mas Bolsonaro ainda está devendo uma prova de que admira o Japão. Pois, até agora, os seus comentários a respeito do país não foram nada simpáticos.

Faz poucos dias, ele ofendeu a jornalista Thaís Oyama, neta de japoneses. O presidente parece não ter gostado do novo livro dela, Tormenta  O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, e partiu para o ataque: "Esse é o livro dessa japonesa, que eu não sei o que faz no Brasil. Lá no Japão ela ia morrer de fome com jornalismo, escrevendo livro."

No ano passado, Bolsonaro já havia causado indignação na comunidade japonesa no Brasil. Em maio de 2019, ele foi abordado por um rapaz estrangeiro de feição asiática no aeroporto de Manaus. Ao posar para fotos, Bolsonaro fez um gesto com a mão e perguntou: "Tudo pequenininho aí?"

Alguns dias depois, o presidente repetiu a dose. Falando sobre a reforma da Previdência, ele usou uma brincadeira de mau gosto para alfinetar o ministro da Economia, Paulo Guedes: "Se for uma reforma de japonês, ele vai embora. Lá [no Japão], tudo é miniatura."

Mesmo no Japão, Bolsonaro não conseguiu mostrar a sua suposta admiração pelo país. Em visita oficial, em outubro passado, o presidente se recusou a experimentar pratos japoneses num banquete oficial e comeu macarrão instantâneo no quarto de hotel depois.

Se o presidente é um apreciador da cultura japonesa, da cozinha definitivamente não é. De repente valeria a pena conversar sobre isso com a comunidade japonesa no Brasil. Ou será que ele quer "trocar" os nisseis e sanseis também?

Aliás, a palavra "trocar" é um eufemismo para realocamentos forçados. Expulsar uma população local do seu território é uma medida brutal, decretada somente em regimes ditatoriais. Em Myanmar, a expulsão dos rohingyas se tornou um genocídio. E na antiga União Soviética, os realocamentos forçados decretados por Stalin levaram à morte de milhões de pessoas.

Parece que Bolsonaro abandonou o seu próprio lema "Brasil acima de tudo" e se tornou um "caso raro de autoxenofobia", odiando assumidamente o seu povo, como escreveu o jornalista Gregorio Duvivier em coluna na Folha de S.Paulo.

Então, agora é "Japão acima de tudo"? Caros brasileiros, quero que vocês saibam que são um dos povos mais amados no mundo. Milhões de japoneses, americanos, chineses, franceses, alemães e muitos outros adoram vocês pelo calor humano, pela espontaneidade, criatividade, musicalidade, receptividade, beleza, leveza, pelo futebol e por muito mais.

Não, não é o povo brasileiro que precisa ser "trocado". São Bolsonaro e pessoas como Alexandre Garcia que parecem ter nascido no lugar errado. Talvez fosse mais fácil eles se mudarem em vez de "trocar" o povo inteiro. Quem sabe Bolsonaro não abre uma lanchonete no Japão e vende macarrão instantâneo?

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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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