Intercâmbio de agressões
22 de março de 2003Parece incrível que até há pouco só se falava em "amizade teuto-americana". O cidadão comum alemão nutria um sentimento de gratidão pelo papel dos EUA na Segunda Guerra, por terem "salvado nosso país". A classe política gastou muita seda pra lá e pra cá, reafirmando continuamente que alemães e americanos mantinham-se unidos na posição de coleguinhas no clube dos mais ricos do planeta.
Sob a perspectiva histórica, tudo aconteceu quase como por um toque de mágica: movido por sabe-se lá quais interesses, o cowboy norte-americano George W. Bush resolveu sacar a arma e brincar de bangue-bangue, pensando que o mundo todo iria atrás. Também movido por sabe-se lá quais razões, o chefe de governo alemão, Gerhard Schröder, de mãos dadas como o premiê francês, Jacques Chirac, resolveu bater o pé: não, não e não.
Isso para a surpresa geral das nações periféricas, acostumadas a verem alianças daqui e dali serem formadas única e exclusivamente em função dos interesses econômicos (ninguém disse que as divergências atuais também não têm tais razões...) do mais forte. Só que agora, pelo que tudo de indica, estão brigando para saber quem é o mais forte na turma dos mais fortes.
Nazistas e nojentos -
E como que caindo das nuvens, adolescentes alemães, que haviam há tanto sonhado com uma estadia dourada de um ano nos EUA, andam ligando para casa e abrindo a boca no mundo. Segundo listou o semanário Der Spiegel, a meninada anda ouvindo expressões do tipo "a Alemanha é um horror", passando por "não queremos gente alemã na nossa escola" até "vocês são todos uns nazistas" e "deveríamos bombardear a Alemanha também, pois vocês são um país nojento".Segundo a revista, que entrevistou alguns dos estudantes e colheu outros depoimentos via fóruns de discussão na internet, intolerância política, patriotismo cego, falta de crítica da mídia e uma crença inabalável no governo formam o quadro encontrado pelos alunos alemães nos EUA.
Vista grossa -
"Calar a boca e continuar como se nada estivesse acontecendo, se você não quer voltar antes da hora para casa", é o conselho dado por Barbara Engler, membro da organização Ação Informação Educacional, que examina qualitativamente e avalia intercâmbios estudantis entre a Alemanha e os EUA. Quem quer insistir em ficar na terra de tio Sam, tem que "fazer vista grossa", completa Engler.No entanto, nem todos os dez mil alunos alemães, que se encontram atualmente em solo norte-americano, reclamam de agressões verbais e repreensões. "Apenas seis dos 872 alunos que enviamos aos EUA receberam cobranças em função da situação política. Porém, o sentido de sair do próprio país é também este: conhecer e discutir sob vários pontos de vista", comenta Knut Möller, da organização Juventude pelo Entendimento, de Hamburgo.
Visitas canceladas -
Na Alemanha, alunos norte-americanos também correm o risco de ter que ouvir observações nada amáveis, quando se aventuram a defender a política de Bush. Em entrevista ao Der Spiegel, a americana Kate Horning desabafa: "É desagradável ter que ouvir que tudo que os EUA fazem é estúpido". Entre umas e outras, até mesmo visitas oficiais de grupos escolares de um lado e de outro foram canceladas, devido às dissonâncias entre as posições dos dois governos.No entanto, tão logo os bombardeios cessem, a torneira do petróleo seja aberta e a cúpula dos mais ricos volte a se reunir ao pé da lareira, alunos alemães e americanos vão certamente voltar a comer chucrute com hamburger juntos. Aí, a mídia já terá encerrado sua encenação da guerra e em pouco tempo os escolares norte-americanos nem vão mais se lembrar da teimosia de Schröder.
O que pensar então das próximas gerações, considerando que hoje nem a metade dos colegiais norte-americanos sabe dizer se a Alemanha lutou na Segunda Guerra Mundial contra ou ao lado dos EUA. Em trinta anos, as escolas do país irão estar cheias de gente afirmando que "EUA e Alemanha venceram juntos e triunfantes o Iraque". Isso sem ter a menor idéia, claro, de onde fica Bagdá e todo o "eixo do mal".