Extinção ameaça macacos da Guiné Equatorial
19 de outubro de 2013Clientes se acotovelam entre as barracas do mercado municipal de Malabo, a principal cidade da ilha de Bioko e capital da Guiné Equatorial. A ilha fica a 32 quilômetros da costa africana e é a parte mais setentrional do país, o único na África que tem o espanhol como língua oficial.
Há quase 20 anos, o dinheiro do petróleo invadiu a Guiné Equatorial, enriquecendo o país e tornando-o a nação com a maior renda per capita da África Subsaariana. Para quem prosperou, não há escassez, e tudo pode ser encontrado no mercado de Malabo: música, camisetas de futebol ou medicamentos.
Numa parte mais ao fundo do mercado há uma fileira de homens com maçaricos e facões. Sobre uma espécie de churrasqueira improvisada com grades metálicas, eles preparam carne de animais selvagens da região, que vão desde ratos gigantes até antílopes da floresta.
Uma cliente que espera ao lado explica que o maçarico é usado para limpar os animais antes de eles serem vendidos e que a carne vem da floresta. Hoje ela está comprando pangolim, um mamífero que tem o corpo coberto de escamas, mais ou menos do tamanho de um gato. O preço é de 20 mil francos centro-africanos (cerca de 80 reais).
Uma carcaça de macaco é visível – a segunda naquela manhã. Ela está carbonizada, mas a face, a cauda longa e os dedos finos são inconfundíveis. Os vendedores não gostam da presença de estrangeiros. Em poucos minutos, os visitantes indesejados são expulsos por um dos vendedores, que faz um gesto ameaçador com o facão.
Símbolo de status
De acordo com o Programa de Proteção da Biodiversidade de Bioko (BBPP, da sigla em inglês) mais de 240 mil carcaças foram vendidas nos últimos 15 anos. Cerca de um quinto delas eram de macacos.
O biólogo Drew Cronin, da Universidade Drexel da Filadélfia, analisou os dados da BBPP. Ele diz que, enriquecidos com o dinheiro do petróleo, os moradores da ilha não precisam mais comer carne de animais selvagens. Mas a inflação está tornando a carne de caça um símbolo de status em Bioko.
"A inflação em Malabo, gerada pela indústria do petróleo, fez com que os preços da carne de caça alcançassem valores que uma pessoa comum não pode pagar", diz Cronin. "O argumento que existe no continente – onde as pessoas necessitam da carne de animais selvagens para sobreviver – não se aplica na ilha. Aqui, ela é um produto de luxo."
A carne de animais selvagens é comumente consumida na África Ocidental, mas há uma proibição para a carne de macaco. O objetivo não é só proteger os primatas – trata-se também de uma medida de saúde pública. A carne de macaco pode transmitir doenças dos animais para os seres humanos.
No entanto, o macaco continua a ser uma iguaria rara por aqui, comparável à lagosta na Europa. "É definitivamente uma questão de status", disse Cronin.
Ao invés de dissuadir os caçadores, a proibição aprovada em 2007 estimulou a caça ao tornar a carne de macaco um símbolo de status. Desde a proibição, o número de macacos abatidos e vendidos cresceu. Segundo Cronin, hoje o dobro ou até o triplo de primatas são mortos.
Existência ameaçada
Por isso é raro ver um macaco em Bioko – eles foram caçados por toda a ilha. Algumas populações ainda podem ser encontradas na reserva Gran Caldera de Luba, uma área remota no sul da ilha.
A primatologista Katie Gondor trabalha na reserva. Durante um passeio pelo local, ela se volta rapidamente quando ouve um movimento numa trilha na floresta. Ela sussurra para não assustar os macacos.
"Eu não posso dizer que animal era, mas quando o movimento é calmo e lento, como esse, suspeito que seja um colobus." Gondor está coletando dados para o Programa de Proteção da Biodiversidade de Bioko. Um pequeno grupo de jovens cientistas – tanto americanos como guineenses – caminha cuidadosamente atrás dela. Eles carregam notebooks, binóculos e equipamentos de rastreamento GPS.
Depois de alguns alarmes falsos – um esquilo, um papagaio – eles encontram um grupo, formado por várias espécies de macacos, sentados numa árvore sobre um penhasco, com vista para o desfiladeiro do rio. Uma família de colobus negro (Colobus satanas) está dormindo e mastigando folhas.
Mais tarde, os pesquisadores surpreendem um colobus de Pennant (Piliocolobus pennantii) – o primata começa a gritar para eles. Os locais se referem à espécie como "macaco corajoso", pois confronta o perigo com altos berros e se recusa a fugir.
Quando os caçadores começaram a usar armas de fogo, esse mecanismo de defesa transformou a espécie num alvo fácil. O colobus de Pennant é hoje uma das espécies de primata mais ameaçadas do planeta. Desde o final da década de 1980, a população caiu pela metade, e restam menos de 5 mil em todo o mundo.
Ativismo nas ondas do rádio
Há pessoas em Bioko que querem salvar esses macacos – e elas estão usando o rádio para construir um movimento de proteção. Os radialistas Prospero Rivas e Antonio Manuel criaram o primeiro programa ambiental de rádio de Bioko, transmitido todas as sextas-feiras pela emissora Songa. Ambos são recém-formados da Universidade Nacional da Guiné Equatorial e incentivam os ouvintes a preservar a fauna e a flora da ilha.
"Estamos praticamente esvaziando o meio ambiente", diz Rivas. "Estamos comendo e consumindo essa biodiversidade sem qualquer tipo de compaixão. Falamos disse no nosso programa. Queremos preservar tudo que ainda resta, enquanto for possível."
Manuel diz que, embora o programa só esteja no ar há alguns meses, eles já começaram a ver resultados. "Estava com meus vizinhos e eles disseram: 'Não queremos mais comer carne vermelha'. Eu disse: 'Meu Deus! Obrigado! '. Uma pessoa dizendo que não vai mais comer carne selvagem é algo ótimo."
Embora a mensagem enviada pelas ondas do rádio alcance as pessoas, ainda é cedo para saber se ela vai criar uma mudança de mentalidade que evite a extinção dos macacos e dos outros animais selvagens de Bioko.