"Homens-bomba são só o ponto final da radicalização"
24 de maio de 2017A professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Zurique Elham Manea estudou durante quatro anos os conselhos de sharia (lei tradicional islâmica) e seu impacto sobre as comunidades muçulmanas na Inglaterra. Baseada nessa pesquisa, a especialista suíço-iemenita publicou em 2016 o livro Women and sharia law – The impact of legal pluralism in the UK (Mulheres e a lei da sharia – O impacto do pluralismo legal no Reino Unido).
Em entrevista à Deutsche Welle, a também ativista dos direitos humanos afirma que as escolas corânicas e o isolamento de certas comunidades muçulmanas estão na raiz da radicalização islâmica de cidadãos europeus, cuja consequência mais severa é o terrorismo. Ela afirma que não adianta gastar dinheiro no combate ao islamismo violento se não houver investimentos para integração de muçulmanos na sociedade ocidental.
"Aqueles que se explodem como homens-bomba só atingiram o ponto final de um processo de radicalização. Devemos tratar das raízes do problema se quisermos combater o terrorismo. Pois ele não vem de fora, vem de dentro", argumenta a especialista em Oriente Médio.
Deutsche Welle: Salman Abedi, o autor do atentado em Manchester nasceu na Inglaterra, assim como os quatro terroristas que mataram 52 pessoas em julho de 2005 em Londres. Também o homem que em março matou cinco pessoas com um carro e a faca, era um terrorista doméstico. A senhora pesquisou comunidades muçulmanas na Inglaterra para seu livro sobre conselhos de sharia. Até que ponto encontrou sociedades paralelas, com suas próprias regras e padrões de conduta?
Elham Manea: Prefiro me referir como "comunidades fechadas" aos grupos transformados em guetos que se organizam segundo linhas étnicas e/ou religiosas. E eles formam unidades culturais e sociais separadas em alguns países europeus, especialmente no Reino Unido, e que têm estruturas de direito paralelas. E sim, observei essas comunidades fechadas. E elas são um problema enorme.
Quais são esses problemas, exatamente?
Não é fundamentalmente errado haver grupos com diferentes origens migratórias ou religiosas. Mas a acumulação de certos grupos étnicos com certas crenças religiosas em certos bairros leva a problemas sociais, especialmente com a proliferação de interpretações fundamentalistas do islã nessas comunidades.
Já que falamos de comunidades fechadas: até que ponto é importante, especialmente para seus elementos mais radicalizados, se encapsularem e se manterem longe da sociedade em geral, por não quererem ter nada a ver com os "infiéis"?
Sim, existe esse comportamento. Mas quero salientar que também existem comunidades fechadas em outras religiões, como os hindus na Inglaterra, com problemas sociais, como na igualdade de gênero ou casamentos forçados. Mas observando-se as comunidades fechadas de fé islâmica, vê-se que há a radicalização como fator adicional. Lá existem estruturas que isolam os jovens de seu entorno e os doutrinam ideologicamente. Sobretudo nas mesquitas ortodoxas extremistas deobandi, ensinam-se as crianças nas escolas corânicas que elas não devem se comportar como os infiéis, que devem ficar longe deles e que não devem amá-los.
Podemos gastar o dinheiro que for na luta contra o extremismo violento: não vai adiantar nada se ignorarmos as formas não violentas do islamismo. Aqueles que se explodem como homens-bomba só atingiram o ponto final de um processo de radicalização. Também temos que considerar o que aconteceu antes! Mas não parecemos estar prontos para isso, porque levantaria sérias questões sobre o tipo de integração ou a ausência dela, sobre as estruturas que temos, a nossa política. Devemos tratar das raízes do problema, se quisermos combater o terrorismo. Pois ele não vem de fora, vem de dentro.
Como tratar as raízes do problema?
Eu acabei de mencionar as escolas corânicas. Em minha opinião, todo político deveria exigir que escolas corânicas, como todo jardim de infância, sejam sujeitas à supervisão do Estado. Todos concordam que não se devem difundir mensagens de ódio em jardins de infância. Mas quando falamos de uma escola corânica, todos dizem que elas são zona proibida. É tempo de que saibamos o que se ensina nas escolas corânicas. Temos que acabar com esta guetização. E temos que examinar também as estruturas dos islamistas não violentos. Ali também existem muitas questões. Essas comunidades fechadas, esses guetos: isso precisa acabar!
A senhora disse que os homens-bomba representam o final de um processo de radicalização. Então essas comunidades fechadas oferecem um terreno fértil para esse tipo de radicalização?
Sim! Embora comunidades fechadas não levem necessariamente à radicalização – como podemos notar em outras comunidades religiosas. Mas em comunidades fechadas de fé islâmica é mais provável que haja altas taxas de radicalização. Um estudo publicado este ano na Inglaterra afirma que a maioria dos combatentes que viajam ao exterior para se juntar ao "Estado Islâmico" (EI) saíram de comunidades tornadas guetos. Nelas, um forte controle parte de líderes religiosos, que não são necessariamente exemplos de tolerância. Em seus discursos eles pregam o isolamento e muitas vezes também o ódio. Eles controlam essas sociedades fechadas, e isso lhes possibilita levar sua ideologia aos jovens desiludidos.