Música clássica
8 de novembro de 2006Quem assistiu aos programas do horário eleitoral no rádio e na TV durante a última eleição presidencial brasileira, percebeu um fundo musical diferente do forró, do pagode ou do Hino Nacional.
Enquanto observava imagens de paisagens brasileiras e de pessoas de diferentes raças e regiões confraternizando na tela, o espectador também pôde escutar o quarto movimento da Nona Sinfonia de Beethoven, onde os versos da Ode à Alegria do poeta alemão Friedrich Schiller aparecem musicados.
Isto aconteceu na campanha para o rádio e TV do reeleito presidente Luís Inácio Lula da Silva, que usou somente a versão instrumental da Ode à Alegria.
Fonte de alegria e energia para um mundo revolucionário
A Ode à Alegria, escrita em 1786 por Schiller, fala sobre os ideais de liberdade e fraternidade na Europa do final do século 18.
Alegria, bela centelha divina,
Filha do Eliseu,
Adentramos embriagados de fogo,
Ó celestial, teu santuário.
Que teus encantos unam novamente,
O que o costume duramente separou;
Todos os homens serão irmãos,
Onde tua suave asa paira.
Em sua Nona Sinfonia, apresentada pela primeira vez em 1824 em Viena, Beethoven revolucionou o conceito de sinfonia através da introdução da voz humana. Beethoven, entretanto, não musicou a versão completa da obra de Schiller, tendo feito sua própria seleção dos versos.
"Sua tradição como hino político começou provavelmente depois que Richard Wagner a dirigiu no ano revolucionário de 1848. A Nona tornou-se assim fonte de alegria e energia para um mundo revolucionário", explica Konrad Paul Liessmann, professor de Filosofia da Universidade de Viena, no ensaio Música e Ideologia: a Nona Sinfonia de Beethoven.
Para Liessmann, não existe outra peça de música clássica que pudesse se tornar símbolo de uma "idéia" como a Nona Sinfonia. Juntamente com Fausto de Goethe e a Fenomenologia do Espírito de Hegel, Liessmann considera esta sinfonia de Beethoven como um dos documentos do início da cultura burguesa, através do qual o sujeito moderno tentou se reconciliar com uma ruptura que ele mesmo produziu.
Da União Européia à campanha de Lula
Em 1972, o Conselho da Europa, em Estrasburgo, declarou a Ode à Alegria como Hino da Europa, decisão ratificada pela União Européia em 1986. Desde então, explica Liessmann, ao escutarmos a obra de Beethoven, ouvimos não somente uma sinfonia, mas um hino político – uma idéia insuportável na sua opinião, mesmo que esteja ligada às melhores intenções: levar a harmonia musical da alegria e da amizade, da igualdade e da fraternidade a se tornar símbolo de uma idéia política.
De qualquer maneira, explica Liessmann, Beethoven pregou uma pequena peça na União Européia: o Allegro vivace no meio do quarto movimento, a "marcha", foi denominada por Beethoven como "música turca".
A Nona de Beethoven também foi usada na celebração da reunificação alemã, em outubro de 1990. No dia 2 de outubro de 1990, véspera do Dia da Unidade Alemã, foi dirigida pelo maestro Kurt Masur em Berlim Oriental e, na ocasião, Leonard Bernstein a apresentou tanto para ocidentais como para orientais, modificando a palavra "alegria" na ode de Schiller por "liberdade".
Durante a Segunda Guerra, uma outra composição de Beethoven, a Quinta Sinfonia, foi utilizada pela BBC em seus programas de rádio, proibidos de serem escutados na Alemanha nazista. Os três sinais curtos e um longo do início da Quinta Sinfonia representam, no código Morse, a letra "V", com a qual os ingleses anunciavam sua vitória. Na última eleição, foi a vez de Lula anunciar a sua ao escolher a Ode à Alegria para o seu programa do horário eleitoral.
Nona de Beethoven como medida de todas as músicas
As particularidades em torno da Nona de Beethoven não param por aí. Por ocasião do desenvolvimento do Compact Disc (CD) pelas firmas Philips e Sony durante a década de 1970, uma pergunta foi lançada: qual deveria ser a duração de um CD?
As firmas aceitaram a sugestão do então presidente da Sony, Norio Ohga, um apaixonado por ópera, de que um CD deveria ser capaz de conter a Nona Sinfonia de Beethoven em sua completa duração.
A versão preferida por Ohga era a dirigida por Herbert von Karajan, com duração de 66 minutos. Os técnicos optaram pela versão mais longa até então conhecida, a dirigida pelo maestro berlinense Wilhelm Furtwängler em 1951. Nascia o CD com 74 minutos de duração, o que correspondia a um diâmetro de 12 centímetros.