1968
31 de agosto de 2008Para o artista e jornalista Gilles de Staal, o legado dos revolucionários de 1968 tem um significado importante. Para o ex-membro da organização de esquerda Juventude Revolucionária Comunista, o dia 3 de maio de 1968, que marcou o início dos protestos na Sorbonne, começou como qualquer outro. Até que centenas de militantes de esquerda do subúrbio parisiense Nanterre – onde a universidade havia sido fechada – aparecessem.
Quebrar estruturas autoritárias
Um dos líderes do movimento era conhecido como "Dany le Rouge" (Dani, o vermelho): era Daniel Cohn-Bendit, que pretendia, na Universidade de Nanterre, lutar para que o saber não ficasse restrito às elites. Desde março ele organizava ações de protesto e agora ia até os estudantes da Sorbonne, para que estes também aderissem à manifestação.
Para Gilles de Staal, o que mais importava naquele momento era reagir à organização L'Occident, vista por ele como fascista. Enquanto De Staal e seus colegas se preparavam para os protestos, foram apanhados repentinamente por policiais, que invadiram a universidade.
"Era absolutamente inconcebível que a polícia tivesse entrado na Sorbonne". O mesmo acontecia nos cafés, para a perplexidade dos estudantes. Eles começaram então a jogar pedras nos policiais, que prenderam 300 militantes. Era a primeira das várias batalhas de rua desencadeadas a partir de maio de 1968.
A noite das barricadas
Na noite do 6 de maio de 1968, estudantes e policiais se enfrentaram mais uma vez em Paris. Os primeiros atiravam pedras, os outros reagiam com grás lacrimogêneo. Os estudantes conseguiram, contudo, tomar a rua, mas lutavam para manter sob controle também a universidade, ocupada pelas forças policiais. No dia 10 de maio, eles conseguiram ocupar o bairro ao sul da Sorbonne.
Num determinado momento, alguém teve a idéia de tirar o calçamento da rua e com ele construir barricadas. "Os moradores demonstravam simpatia por nós. Eles nos incentivavam das janelas, gritavam elogios e muitos nos traziam água e sanduíches. A gente trabalhava e eles ajudavam aqui e acolá. A atmosfera era ótima", lembra Gilles de Staal. No entanto, a insurreição feliz acabaria em fogo e violência. Os policiais destruíram as barricadas, carros foram incendiados e a noite acabou com um saldo de 367 feridos graves.
Onda de solidariedade
Ainda na noite de barricadas do 10 para o 11 de maio, Cohn-Bendit apelava para os trabalhadores, para que aderissem ao movimento. Dois dias depois, havia um milhão de pessoas nas ruas de Paris: os trabalhadores também protestavam. O dia de greve se transformou numa paralisação generlizada, que durou duas semanas. Os trabalhadores ocuparam as fábricas e os servidores pararam suas atividades.
O governo, nessas alturas, não podia mais ignorar o movimento. O presidente Charles de Gaulle antecipou a volta de uma viagem oficial à Romênia e convocou as lideranças políticas para uma reunião extraordinária no Palácio do Eliseu. O então primeiro-ministro Georges Pompidou comunicava a posição do presidente: "Reformas, sim, mas sem mascarada!". Uma frase que provoca, até hoje, um sorriso cansado em Gilles de Staal.
Confusão de poder
Paris se mantinha, todos os dias e sob qualquer ponto de vista, em estado de emergência: por todos os lados pipocavam comitês e ações espontâneas, a gasolina acabava e o lixo não era recolhido. O presidente De Gaulle falou então, pela primeira vez desde o início dos protestos três semanas antes, ao povo. Num discurso transmitido pela televisão, anunciou um plebisicito para junho, no qual a população deveria decidir sobre seu cargo. Caso os eleitores não depositassem mais confiança nele, dizia De Gaulle, o cargo de presidente seria entregue.
O discurso ecoou entre os manifestantes e os parisienses fizeram pela segunda vez barricadas nas ruas. A noite do 24 para o 25 de maio culminou no ápice do confronto. Poucos dias depois, a polícia sumia das ruas. "Ninguém mais, nenhum poder político. O caos dominava", descreve Gilles de Staal.
A confusão estava instalada quando, no 29 de maio, ninguém mais sabia por onde andava o presidente. Charles de Gaulle tinha deixado a França. Chegava a hora da concorrência política: Pierre Mendes-France selou uma coligação provisória com o então jovem François Mitterrand. Os dois se viam como políticos de esquerda, mas não tinham nenhum interesse na revolução e queriam apenas chegar ao poder. No entanto, o general De Gaulle voltou, evitou a constituição de um governo provisório e garantiu seu lugar. Com o agendamento das eleições para fins de junho, a revolução também era adiada.
Protestos desmoronam
Gilles de Staal acredita que o Partido Comunista tenha sido a única facção realmente próxima do movimento e que, naquele momento, poderia ter tomado o poder. Mas os sonhos de muitos estudantes e trabalhadores iam além dos limites do Partido Comunista, que tinha selado, nos acordos de Grenelles, algumas cláusulas favoráveis aos trabalhadores. Derrubar o governo, porém, o PC não queria.
"1968 não nos surpreendeu e sim nos deixou perplexos, embora não abatidos", reflete o artista de jornalista.Gilles de Staal, que já, naquele momento, havia lutado várias outras vezes pela revolução, entre outros em Portugal. Mas foi naquele verão parisiense de 1968 que a aventura realmente começava. No momento em que todos grupos militantes de esquerda foram proibidos, ele Gilles de Staal se escondeu e despareceu.