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Böll faria 90 anos

21 de dezembro de 2007

Enquanto vivo, Böll foi um dos mais reconhecidos escritores do pós-guerra alemão. Mais de 20 anos após sua morte, sua obra crítica e engajada ameaça cair no esquecimento, por mais presente que seu nome ainda seja.

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Böll foi o primeiro alemão laureado com o Nobel de Literatura após a guerraFoto: picture-alliance/ Sven Simon

"Ele é famoso, porém esquecido" foi a conclusão a que se chegou durante um evento em homenagem ao escritor alemão Heinrich Böll no teatro Schauspielhaus de Colônia, sua cidade natal. Nesta sexta-feira (21/12), o cidadão de honra da metrópole às margens do Reno, um dos mais lidos e comentados autores do pós-guerra na Alemanha, teria completado 90 anos.

Porém, desde sua morte em 1985, sua obra literária e ensaística vem sendo cada vez mais esquecida pela opinião pública, por mais que seus livros continuem vendendo bem.

Böll nasceu em 1921, filho de um marceneiro, e escreveu seu primeiro romance ainda jovem no fim da década de 30, enquanto estudante das filologias germânica e românica. Imediatamente após sua experiência como soldado durante a Segunda Guerra Mundial, publicou diversos contos, sátiras e romances.

Mas foi nas décadas de 50 e 60 que Böll publicou as obras que o consagraram. Convicto do papel político e social do escritor, ele impregnou sua visão crítica do Estado e da sociedade em obras claramente inseridas no contexto do pós-guerra e que marcaram decisivamente a cultura política da República Federativa Alemã nesta época.

Der Schriftsteller Heinrich Böll, der Soziologie-Professor Theodor Adorno und der Verleger Siegfried Unseld
Böll ao lado do sociólogo Theodor Adorno em 1968Foto: dpa

Em 1972, tornou-se o primeiro alemão a ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura desde a guerra, no mesmo ano em que exigiu o perdão político para Ulrike Meinhof, integrante do grupo terrorista de esquerda Fração do Exército Vermelho (RAF).

"Mais que um poeta"

Como salientou o crítico literário Marcel Reich-Renicki, Böll era mais que um poeta. Ele era tido por muitos como "consciência da nação" e "instância moral", designações que recusou enquanto viveu, por achar que diminuíam sua importância literária, mas que bem traduzem sua postura engajada e crítica.

"É uma louca tradição em nosso país, que ninguém percebe que é possível existir uma forma de lealdade muito crítica. Sou cidadão alemão, pago meus impostos, inclusive com muita convicção, e me permito criticar o desenvolvimento de nossa sociedade de vez em quando", disse.

Como poucos, foi capaz de preencher a realidade alemã do pós-guerra com imagens e temas imponentes, sempre alerta a aspectos humanitários, às ruínas da guerra, aos excluídos do milagre econômico e ao conservadorismo da imprensa, tema que abordou em Die verlorene Ehre der Katharina Blum (A Honra Perdida de Katharina Blum), romance no qual explicita o arriscado encontro entre mídia e violência.

"Quando se fala em violência, pensa-se sempre na violência física, em chutes, socos, facadas, lutas. [Não na] violência que surge através do monopólio da opinião, da imprensa, de pessoas que não podem se expressar", alertou Böll.

Religiosidade e política

No fim da década de 70 e no começo dos anos 80, Böll se juntou a outros artistas no movimento pela paz. Nesta época, se envolveu com o grupo político que mais tarde se estabeleceria como o Partido Verde e que hoje mantém uma fundação que leva seu nome.

Pouco antes de sua morte, em declaração ao jornal espanhol El País, descreveu-se como um anarquista que recusa a violência e mantém-se fiel à Constituição, embora recuse "qualquer tipo de poder institucional".

A mesma postura o levou a desligar-se da Igreja Católica em 1976. Embora criado na tradição católica, Böll nunca poupou a Igreja de críticas, que expressou através de diversos personagens em vários romances, entre eles Ansichten eines Clowns (Perspectivas de um Palhaço).

No entanto, sua crítica dizia respeito não à fé, mas à instituição e à preferência de seus representantes pelos partidos políticos alemães CDU e CSU. Tanto que isso não o impediu de continuar indo à missa nem de desejar uma cerimônia fúnebre religiosa, que obteve de um padre com quem tinha amizade.

Temas "empoeirados"?

Rheinisches Landesmuseum in Bonn Skulptur Heinrich Böll
Escultura de Böll em madeira do artista alemão Peter Nettesheim (no Rheinischen Landesmuseum em Bonn)Foto: dpa

Segundo o jornal Berliner Zeitung, "poucos escritores alemães obtiveram tanto reconhecimento enquanto vivos como Heinrich Böll". Mas, por mais presente que seu nome permaneça, suas obras já não fazem parte da leitura obrigatória de muitas escolas e correm o risco de cair no esquecimento.

Para a professora Walburga Schröher, seus livros estão de certa forma "empoeirados" e a imagem da mulher que veiculam é ultrapassada. "As mulheres parecem fazer papel de vítima. É como na geração de minha mãe, eu vivenciei isso como criança. Para os alunos de hoje, seria muito estranho."

Mesmo na universidade, diminuiu o interesse por sua obra . Segundo o professor e pesquisador Volker Neuhaus, as causas são banais. "Böll e [Günter] Grass são ambos considerados escritores populares e a universidade prefere se ocupar de escritores menos populares."

Para o Berliner Zeitung, a idéia de que livros de fácil leitura não têm valor é apenas preconceito. Diante da crítica de que seus livros seriam pouco experimentais ou inovativos, o jornal revida com o argumento de que suas "complexas montagens de material documentário e ficção não são de forma alguma convencionais" e que Böll é subestimado enquanto "construtor e arquiteto de romances".

Livros ainda vendem

Mas, entre os leitores, o interesse continua. Helge Malchow, da editora Kiepenheuer & Witsch, que publica a obra de Böll na Alemanha, calcula que, a cada ano, mais de 100 mil exemplares de seus livros são vendidos apenas em alemão – de livros de bolso a edições de luxo, inclusive dos títulos menos conhecidos.

Em entrevista à revista Cicero, o escritor Erich Koch, secretário pessoal de Böll por sete anos, explica o por que do esquecimento. "Böll tinha como princípio resgatar a realidade de um instante. Ele sempre foi uma pessoa do momento", disse. "Por mais que também tenha tratado dos temas clássicos da literatura, sempre se posicionou nos instantes históricos e individuais (...) e, neste sentido, é a voz de uma geração."

Para o semanário Die Zeit, "ética e estética se separaram cada vez mais uma da outra, de forma que não esperamos de um excelente romance que tenha ao mesmo tempo um apelo moral, assim como um bom escritor não precisa necessariamente ser boa pessoa. No entanto, a saudade de um poeta que é mais que um poeta permanece. E, a essa saudade, Böll responde até hoje". (rr)