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Da veneração ao desdém 250 anos

10 de novembro de 2009

Nos 250 anos de seu nascimento, o autor de "Don Carlos" e da "Ode à Alegria" não é mais o herói nacional de antes. Mas a integridade de seu espírito libertário o preservou até contra a propaganda nacional-socialista.

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Silhueta do poeta aponta o caminho para o Arquivo da Literatura Alemã em MarbachFoto: DW
Deutschland Friedrich Schiller Büste in Jena
Cópia da estátua de Schiller por Johann Friedrich von Dannecker, em JenaFoto: AP

Hoje em dia, Friedrich Schiller (1759-1805) não é mais um best-seller na Alemanha, tendo desaparecido quase totalmente dos livros didáticos. Porém, é rara a cidade alemã onde não haja uma rua, praça ou escola com seu nome: testemunho de uma época onde o culto ao poeta era um evento social. Seus versos eram recitados e os monumentos dedicados a ele viraram verdadeiros locais de peregrinação.

Schiller já era reverenciado em vida, porém as honrarias alcançaram seu primeiro ápice em meados do século 19. Era o alvorecer da era moderna para a burguesia e a época das primeiras revoluções democráticas, preparando o caminho para a formação dos novos Estados nacionais.

Movimento operário e Beethoven

O historiador Otto Dann reconstrói o clima no país por ocasião do primeiro centenário de Schiller, em 10 de novembro de 1859, quando um entusiasmo se espalhou até pelas pequenas localidades. "Os professores, os pastores de igreja e os eruditos se encarregaram de festejar. Foram organizados desfiles, também com a participação das associações de trabalhadores. Era como uma embriaguês, a maior festa de massa da Alemanha do século 19."

Mas uma embriaguês com programa político, ressalva o pesquisador. Dez anos após a fracassada Revolução de 1848, embora os príncipes regessem o país, a ideia de um Estado nacional alemão não havia sido esquecida.

O poeta Johann Christoph Friedrich von Schiller, falecido em 1805, era uma espécie de protótipo da resistência contra o absolutismo reinante. Dann o classifica como "um homem sempre empenhado em tentar entender seu próprio tempo, com grande sensibilidade para a sociedade, a política e as questões estéticas".

Mais tarde, o movimento operário alemão emergente descobriria em Schiller um camarada para a causa do povo trabalhador. O espírito republicano da primeira metade do século 19 foi compreendido plenamente nesse movimento emancipatório, comenta Dann. O historiador faz aqui uma conexão musical com Ludwig van Beethoven, que em sua Nona sinfonia musicou a Ode à Alegria de Schiller: "Essa obra cresceu dentro do movimento operário. Ela era sempre executada no Ano Novo".

Gothe Schiller Weimar Schillerhaus in Weimar
Residência do poeta em WeimarFoto: picture-alliance/ dpa

Cronista das nações europeias

Schiller, natural do sudeste alemão transformou-se num mito ainda em vida. Suas peças teatrais impregnadas de ideias libertárias e de páthos republicano moviam e inflamavam os espectadores. Suas aulas na Universidade de Jena atraíam multidões.

E ele não era venerado apenas em seu país, tendo se tornado uma figura conhecida para muito além das fronteiras dos principados alemães. A Assembleia Nacional francesa o nomeou cidadão honorário da França e a nobreza dinamarquesa apoiou financeiramente o poeta, um eterno endividado.

"Schiller escreveu dramas cênicos para as principais nações europeias, tratando de suas histórias nacionais: Don Carlos para a Espanha, Guilherme Tell para a Suíça, Maria Stuart para a Inglaterra. E faleceu sem completar Demétrio, para a Rússia", enumera Otto Dann.

Recrutado pelo nazismo

Schiller 250 - Exponat aus der Ausstellung Autopsie Schiller. Eine literarische Untersuchung
Mão esquerda de Schiller, desenhada por ele mesmo em 1777Foto: Foto: DLA Marbach

O século 20 trouxe a apropriação de Schiller para fins propagandísticos, sua instrumentalização pelos nacionalistas e populistas. Em 1934, o Partido Nacional-Socialista (NSDAP) chegou a promover uma corrida de revezamento da Juventude Nazista na cidade natal do poeta, Marbach. Durante a transmissão radiofônica, ouviram-se comentários como este:"Com a antena direcional para a África, camaradas do povo, a homenagem da juventude alemã a Friedrich Schiller. Friedrich Schiller! Friedrich Schiller! Veneramos Schiller como exemplo para todos, pois ele se consumiu a serviço de sua missão."

Esse tipo de veneração não durou muito tempo. Apesar do filme de propaganda política Friedrich Schiller, de 1940, o espírito libertário do autor não se coadunava como a ideologia nazista, observa o historiador Dann. "Ao fim, não se sabia o que fazer com Schiller. Hitler chegou a proibir que suas peças fosse encenadas, em especial Don Carlos. Por isso, é preciso tomar cuidado ao situá-lo nesse contexto da propaganda nazista."

Leste ou Oeste?

Schiller 250 - Thomas Mann in Weimar 1955
Palestra de Thomas Mann em maio de 1955, em WeimarFoto: picture-alliance/ dpa

Quando, terminada a Segunda Guerra, os dois Estados alemães se estabeleceram, travou-se então uma espécie de concorrência político-cultural pela herança de Schiller. Isso não é surpreendente, pois há locais em sua memória tanto no Leste quanto no Oeste do país.

Por ocasião dos 150 anos da morte do poeta, em 1955, o escritor Thomas Mann foi convidado pelos governos das duas Alemanhas de então, e aceitou ambos os convites: primeiro, deu uma palestra em Stuttgart, repetindo-a depois em Weimar, relata Otto Dann.

Mais segura de si, a Alemanha Oriental, sob governo comunista, cultivava a herança cultural clássica e apelava sem hesitar para a frase de Goethe: "Pois ele é nosso". Na então Alemanha Ocidental, em contraste, jovens diretores viravam manchete de jornal com remontagens provocadoras do clássico. Nas escolas, ele quase não era mais lido. Por fim, no âmbito da reforma do ensino alemão, Schiller foi totalmente eliminado do cânone escolar.

Contudo, encenações celebradas nos palcos europeus, até hoje, provam que sua obra dramática resistiu ao tempo.

Autor: Cornelia Rabitz / Augusto Valente
Revisão: Soraia Vilela