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Fim da "lista tríplice" pode ameaçar independência da PGR

José Antonio Lima
18 de abril de 2019

Enquanto governo Bolsonaro acena com fim da tradição da lista elaborada pela categoria e que, segundo especialistas, confere legitimidade ao órgão, procuradores já travam disputa aberta pelo comando da instituição.

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Raquel Dodge
Raquel Dodge ocupa o cargo de procuradora-geral da República desde setembro de 2017Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Dentro de um mês, os candidatos a procurador-geral da República, o cargo mais alto do Ministério Público Federal (MPF), vão começar a disputar a eleição para a chamada lista tríplice. Estar entre os três mais votados pelos colegas é, desde 2003, garantia de ter o nome avaliado pelo presidente da República, o responsável pela nomeação. Em 2019, a história pode mudar, e essa situação ameaça a independência da Procuradoria-Geral da República (PGR), dizem especialistas.

A lista tríplice começou a ser elaborada em 2001, numa tentativa de emular o que ocorre nos estados, onde os governadores são obrigados pela Constituição a escolher um dos integrantes da votação feita pelos promotores estaduais. A primeira edição da lista foi ignorada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Naquele ano, o tucano nomeou para o cargo, pela quarta vez seguida, Geraldo Brindeiro, que havia ficado em sétimo lugar na eleição interna dos procuradores.

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Conhecido por seu alinhamento ao governo federal, Brindeiro ganhou o apelido de "engavetador-geral da República". Nos oito anos em que esteve no cargo, ele arquivou inúmeros casos com suspeitas de corrupção, inclusive o que tratava da compra de votos para a emenda da reeleição em 1997, que permitiu a FHC se perpetuar no poder.

Os petistas Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), por sua vez, adotaram como prática nomear o primeiro colocado da lista tríplice. Nesse período, o cargo de procurador-geral ganhou proeminência, em especial por conta de casos de corrupção, como o do mensalão.

Em 2017, pressionado por denúncias de corrupção contra si, o então presidente, Michel Temer, mudou a tradição. Em vez de nomear o mais votado pelos procuradores, ele escolheu Raquel Dodge, a segunda colocada. Agora, é possível que o presidente Jair Bolsonaro abandone por completo a prática e nomeie uma pessoa de fora da lista tríplice.

O indício mais recente de que isso pode ocorrer foi uma entrevista do advogado-geral da União, André Mendonça. Nomeado por Bolsonaro, ele destacou no início de abril que a lista tríplice não está prevista em lei, sendo apenas uma tradição. Ao fazer esse comentário, Mendonça reforçou o que o próprio presidente da República dissera em outubro de 2018.

Em uma entrevista, Bolsonaro não se comprometeu a seguir a lista tríplice e disse que nomearia alguém "livre do viés ideológico de esquerda". Na sequência, afirmou que prezaria pela independência da instituição. "Não quero alguém subordinado a mim, como tivemos no passado a figura do engavetador, mas alguém que pense grande, que pense no seu país", afirmou.

No entanto, abandonar a tradição da lista e ao mesmo tempo manter a independência da PGR podem ser objetivos contraditórios. "A lista tríplice, apesar de não estar prevista em lei, é uma prática inteligente e democrática, pois gera duas legitimações", afirma Luciano de Souza Godoy, professor da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Por um lado, há a legitimidade dentro da carreira, e o procurador-geral precisará do apoio da carreira para fazer bem o trabalho dele. Por outro, seguir a lista gera na sociedade uma percepção de independência do escolhido em relação ao presidente, pois caberá a ele investigar o próprio presidente", afirma.

A possibilidade de Bolsonaro não seguir a lista tem animado concorrentes que buscam quebrar a tradição. Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o subprocurador Augusto Aras se lançou como candidato "por fora". Atacou o mecanismo da lista, levantou dúvidas sobre a idoneidade da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), entidade responsável pela eleição para a lista tríplice, e fez acenos ideológicos a Bolsonaro.

Aras disse que as questões indígena e de meio ambiente, que são objeto de ataques de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, centrais na atuação do MP, não devem ser "radicalizadas". O subprocurador insinuou que a campanha de preservação da Amazônia seria uma conspiração de ONGs e "países poderosos". Antes, em dezembro, em entrevista a um jornal da Bahia, afirmou que o governo Bolsonaro seria uma "democracia militar".

O ímpeto eleitoral de Aras provocou reações na categoria. "Essas declarações foram ditadas em cunho egocêntrico, e destroem uma importante conquista da classe, que é a prévia consulta", afirma Cláudio Fonteles, o primeiro procurador-geral da República nomeado por Lula (2003-2005). "Excluir esse sistema para partimos para a luta pessoal e individual é reinstaurar as mazelas na instituição", diz.

Outro que, segundo relatos da imprensa, busca ser alçado ao posto de procurador-geral é Jaime Cássio de Miranda, chefe do Ministério Público Militar (MPM). De acordo a Folha de S.Paulo, Miranda enviou um ofício a Bolsonaro e a alguns senadores questionando o formato de sucessão de Dodge.

Ele quer que integrantes de outras carreiras do Ministério Público da União (MPU) possam ser nomeados para o cargo. Até hoje, apenas integrantes do Ministério Público Federal (MPF) foram escolhidos. Além do MPF e do MPM, integram o MPU o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Quem também defende que a PGR não é uma exclusividade do MPF é André Mendonça, o advogado-geral da União. No mesmo encontro com jornalistas, ele afirmou que o cargo poderia ser ocupado por membros dos Ministérios Públicos do Trabalho, Militar e do DF. A divergência indica que a escolha do sucessor de Dodge pode parar na Justiça, mais especificamente no Supremo Tribunal Federal, cujos membros também podem ser processados pelo procurador-geral da República.

Além da possibilidade de o governo desprezar a lista tríplice e de integrantes de fora do MPF buscarem o cargo, a disputa pela sucessão de Dodge envolve disputas que ocorrem dentro do próprio MPF. A instituição estaria dividida entre alas que apoiam Dodge e outras alinhadas a seu antecessor, Rodrigo Janot.

O ex-procurador-geral Fonteles não apoiou Dodge na última eleição, mas elogia sua atuação desde 2017, quando assumiu o cargo de procuradora-geral da República. Para ele, as divisões dentro do MPF são preocupantes.

"Hoje há realmente uma busca por poder dentro da instituição, mas a resposta deve ser a unidade dentro da adversidade", diz. O risco é a cisão facilitar uma eventual tentativa de não seguir a lista tríplice. "A norma deve obedecer até a boa tradição", diz. "Mas hoje vejo com extrema preocupação a possibilidade de se desprezar a lista, como o presidente Fernando Henrique desprezou solenemente."

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