Festival em SP relembra queda do Muro de Berlim
22 de agosto de 2014Por 28 anos, a atual capital alemã foi uma cidade dividida. O Muro de Berlim não separava apenas bairros, vizinhos, parentes e amigos; ele era o símbolo de um mundo dividido, de uma ordem mundial que marcou o século passado. Passados 25 anos da queda do Muro, o atual 25º Festival de Curtas-Metragens de São Paulo apresenta a mostra "A Queda de Todos os Muros".
A seleção cinematográfica trazida à capital paulista reflete sobre o mundo contemporâneo através de uma grande diversidade de filmes, que mostram o simbolismo físico e as marcas profundas deixadas na vida cotidiana e no imaginário cinematográfico de uma geração.
"A queda do Muro apontou uma nova divisão geopolítica, situando o modo de produção e de vida capitalistas como os 'vitoriosos' do processo. No entanto, o que vimos nesses 25 anos foi o acirramento das crises capitalistas. Se houve a esperança de que a queda seria o anúncio de um mundo mais livre e justo, isso não aconteceu", diz a curado da mostra, Karen Black.
Fascinada pelo muro que dividia não só uma cidade, mas todo o mundo, física e ideologicamente, Black abordou o tema em seu último curta-metragem. Parque Soviético foi filmado em Berlim e também será exibido no festival.
"Com a efeméride dos 25 anos, essas reflexões se tornam mais agudas, e rever filmes desse período é importante para manter o questionamento histórico. Daí a ideia da mostra. Já conhecia algum dos títulos através da Interfilm Berlin, distribuidora que organiza o maior festival de curtas da Alemanha e possibilitou a exibição desses filmes no Brasil. Além disso, é sempre um prazer trazer filmes raros ao público", diz a curadora.
Dois lados do mesmo muro
Entre produções realizadas na antiga Alemanha Ocidental e na comunista Alemanha Oriental, dezoito curtas-metragens alemães foram selecionados para "A Queda de Todos os Muros". Entre documentários, clipes musicais, animações, obras experimentais e de ficção, os filmes, em sua maioria, foram produzidos entre 1961 e 1989.
"Quase todos os filmes foram produzidos enquanto o Muro ainda existia. A proposta era reunir curtas feitos dos dois lados e pensar como a divisão física e concreta se espelhava na produção cinematográfica e nos olhares dos artistas. Há filmes oficiais do governo comunista, documentários questionadores, e muito ativismo artístico", explica Black.
A maioria desses filmes são inéditos no Brasil, e alguns dele podem ser considerados raridades. A curadora destaca os produzidos pela Stasi – o serviço secreto da Alemanha Oriental –, que exaltam a grandeza comunista e os controversos métodos de manutenção do Estado.
Em contrapartida, o documentário Gritar uma vez por semana, de Günter Jordan, mostra a juventude rebelde no país. O filme foi censurado logo após seu lançamento.
Um dos filmes recentes da programação é o documentário Ciclista. Dirigido por Marc Thümmler, o curta problematiza o Estado comunista ao contrapor imagens do fotógrafo Harald Hauswald a relatórios de espionagem da Stasi feitos sobre ele.
O experimentalismo é o destaque dos filmes produzidos na Berlim Ocidental, valorizando o ativismo artístico. Austausch, de Egon Bunne, mostra o punk e a new wave berlinenses através de uma apresentação, um protesto contra a segregação provocada pelo Muro. Em seu filme Berliner Blau, o diretor Hartmut Jahn usa o Muro como tela para diversas expressões artísticas.
"Os filmes produzidos no lado ocidental investem mais na experimentação estética e no ativismo artístico, e a presença física do Muro é um dispositivo de criação. Do lado oriental, o muro não é objeto nem o assunto principal, e sim a contraposição entre a visão oficial e filmes contestadores da doutrinação política", diz a curadora.
Quebrando barreiras cinematográficas
Partindo da ideia de que o Muro de Berlim não era apenas algo físico, mas um símbolo de um mundo dividido, a curadoria levou adiante o conceito do muro como uma delimitação, uma divisão. Sua queda pode ter vários significados, que remetem à renovação, à mudança, à integração e à extensão de limites.
Além dos 18 filmes alemães, a mostra exibe com uma seleção de filmes brasileiros, que investigam e brincam com limitações, renovando de maneira artística e política o cinema nacional.
"A seleção dos filmes alemães tem uma abordagem histórica e relacionada à divisão concreta e ideológica representada pelo Muro de Berlim. Essa ideia migrou para os programas brasileiros, mas pensando simbolicamente nos muros presentes na produção cinematográfica e, obviamente, na quebra destes", explica Black.
Os filmes brasileiros selecionados transitam entre gêneros e formatos. Brincam com os limites entre a ficção e o documental, sem medo de experimentar. O panorama incluiu filmes feitos em todo o país, mostrando que as barreiras do corredor Rio-São Paulo foram extrapoladas.
A região Norte aparece representada por Cachoeira, de Sérgio Andrade. O Sul é representado por 4:48, de Cristiano Burlan. Pernambuco levou diversos filmes ao programa.
O limite entre real e o virtual é questionado em As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro, todo feito no ambiente virtual Second Life. Filmes como O nome dele, o Clóvis, de Marina Meliande e Felipe Bragança, e Muro de Tião e Não vou à África porque tenho plantão, de Eder Santos, extrapolam a narrativa esquemática e questionam nosso olhar para os modos de se contar histórias.
"A Queda de Todos os Muros" leva ao público uma série de filmes que buscam a reflexão dos limites e das mudanças que ocorreram no mundo nesses últimos 25 anos. O Muro de Berlim, talvez o mais duro e simbólico de nossa recente história, caiu, mas muitas limitações, em suas diferentes formas, resistem.
O 25º Festival de Curtas Metragens de São Paulo está em cartaz em diversas salas de cinema da capital paulista até o dia 31 de agosto.