O Brasil está retornando à fase da normalidade pré-bolsonarista e, com isso, a uma certa monotonia. Nada de propostas absurdas, de declarações tenebrosas e dos crimes de Jair Bolsonaro e seus ministros, frequentemente incompetentes. Em vez disso, fala-se novamente sobre política fiscal e de preços dos combustíveis. Ninguém mais grita, ofende e ameaça – as pessoas debatem.
Mesmo assim, nepotismo e corrupção existem também no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como demonstram casos recentes envolvendo os ministros Juscelino Filho (MDB, Comunicações), Renan Filho (MDB, Transportes), Wellington Dias (PT, Desenvolvimento Social) e Rui Costa (PT, Casa Civil). Lula deve ter a força e a coragem de dispensar imediatamente os ministros que levantam dúvidas sobre sua própria integridade, para não cair na espiral de corrupção que já prejudicou seus governos anteriores.
Fora isso, o retorno da normalidade política é, obviamente, algo a ser saudado. Os anos sob Bolsonaro – com sua agressividade, sua vontade de destruição e seus ressentimentos – expuseram as entranhas mais fétidas do Brasil e a herança de histórias mal digeridas: a escravidão, o feudalismo, o pensamento classista da elite, a ditadura militar.
Mas o retorno à normalidade bastará para que o Brasil avance e que o bolsonarismo fique restrito a um episódio isolado?
Que Brasil quer Lula?
Acho decepcionante que o presidente Lula não tenha, até aqui, ousado nenhum grande lance, que ele não tenha apresentado um grande lema para o seu governo: uma visão de para onde o seu governo quer conduzir o país.
Eu ainda não ouvi nenhuma ideia para um despertar, para reformas profundas e a transformação da sociedade. Como deve ser o Brasil do século 21? Já não basta dizer que você vai fazer o Brasil feliz novamente ou que vai cuidar das pessoas (eu nunca gostei desta formulação paternalista).
A falta de uma visão maior me parece estranho. Quanto mais Lula tenta se sair bem no cenário mundial – ele quer ser o negociador da paz entre o ditador Vladimir Putin e o Ocidente, talvez para se candidatar ao Nobel da Paz ou a um posto nas Nações Unidas –, mais modesto soa na política interna.
Claro que o combate à fome e à destruição da Floresta Amazônica, assim como o fortalecimento da democracia, são tarefas importantes e necessárias que precisam ser encaradas logo. Mas, além disso, o que Lula e sua equipe querem alcançar?
Haverá de novo apenas uma maquiagem para cobrir as feridas da profunda desigualdade brasileira? Ou Lula quer modernizar o Brasil para que o país, um dia, possa seguir adiante mesmo sem ele?
Apenas belas lembranças como legado
Isso já havia sido um problema nos dois primeiros governos Lula: os programas iniciados por ele quase não foram institucionalizados, eles ficaram sendo programas de governo, que poderiam ser desfeitos por qualquer futuro governo. O que de fato aconteceu no governo de Bolsonaro.
Ao contrário de Getúlio Vargas, que criou instituições estatais que até hoje marcam as vidas dos brasileiros, Lula praticamente não deixou, para o Brasil, nada duradouro além de belas lembranças.
Claro que se deve dizer que Vargas foi um ditador que, ao contrário de Lula, não dependia do Congresso ou da Justiça.
E também é verdade que as políticas sociais e educacionais de Lula no início do milênio influenciaram e mudaram para melhor a vida de muitas pessoas. Mas Bolsonaro mostrou como esses avanços podem ser rapidamente desfeitos. Além disso, Lula teve, nos seus primeiros governos, a sorte de ter os cofres públicos cheios, bem ao contrário da situação atual.
O Brasil não tem tempo a perder
Por isso me pergunto se não seria a hora de desenvolver um lema sob o qual se poderia levar adiante as reformas difíceis e necessárias, sem as quais a sociedade brasileira não vai se tornar mais justa nem mais rica para todos: uma reforma educacional, uma reforma fiscal e uma reforma do sistema político.
Se Lula, apesar de um Congresso conservador e obstrutor, conseguir ser bem-sucedido em apenas uma delas, já entraria para a história.
Mas, até aqui, o que parece é que ele quer reciclar a receita dos seus primeiros governos. Falta-lhe uma ideia, um lema-síntese como o de Juscelino Kubitschek: "Cinquenta anos em cinco". Quem não concordaria com isso? E, de fato, o Brasil não tem mais tempo a perder.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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