Exposição em Paris tenta desconstruir o mito Picasso
12 de outubro de 2015De pinturas a esculturas e vídeos, do cubismo ao surrealismo – Pablo Picasso fez de tudo. Não é de se admirar que seus trabalhos tenham inspirado muitos artistas, como Andy Warhol e David Hockney. E o mestre espanhol também parece ser uma fonte infindável de inspiração para curadores ao redor do mundo.
Paris, onde Picasso viveu por alguns anos, tem um amor imortal pelo artista, promovendo todos os anos exposições sobre diferentes aspectos de sua carreira. A mais recente, Picasso.mania, está em cartaz no Grand Palais da capital francesa. A exposição, da qual uma das curadoras é a neta do artista, Diana Widmaier-Picasso, reúne quatrocentos trabalhos de 75 artistas, incluindo o próprio mestre.
A ideia, segundo Widmaier-Picasso, é destacar a influência duradoura do artista na própria arte, durante e após a sua vida. "Esta exposição nos permite compreender como os artistas veem o trabalho de Picasso", afirma. As 15 salas do Grand Palais estão organizadas por temas, com algumas das pinturas do mestre expostas ao lado das obras que influenciaram.
Mas, o que faz de Picasso um personagem a quem o público não consegue resistir? Há, claro, o aspecto perturbador do trabalho do próprio Picasso: os primeiros anos na pintura cubista, o período de retratos na década de 1930 ou o período surrealista. Ele ofereceu a artistas diversos códigos artísticos, diz Emile Bouvard, curadora do Museu Picasso em Paris.
"Picasso iniciou muita coisa na arte durante o século 20", afirma Bouvard. "Por exemplo, foi o primeiro a fazer colagens ou montagens com objetos, no intuito de criar algo novo. Sua relação com os objetos foi assimilada pelos surrealistas e dadaístas."
Um exemplo seria obra Paint Trolley, de David Hockney, que está na exposição no Grand Palais e mostra claramente a influência do mestre espanhol no artista britânico.
Quando se trata de pintura, Picasso deixou muitas marcas, diz Bouvard. "Durante os anos 1980, artistas como Jean-Michel Basquiat ousaram retornar às pinturas e decidiram seguir Picasso e também responder a ele."
Personalidade
Cada parte da exposição explora um lado diferente da vida e do trabalho de Picasso. Uma das salas é inteiramente dedicada a Les Demoiselles D'Avignon, uma de suas pinturas mais famosas. Os curadores decidiram expor a obra Femme aux Mains Jointes, um estudo do artista sobre Les Demoiselles, acompanhado de reinterpretações de Faith Ringgold e Sigmar Polke.
Outra seção mostra trabalhos de cineastas como Jean-Luc Godard, Agnes Varda e Alfonso Cuarón, influenciados pelo corpo da obra do espanhol. "Para Godard e os demais, Picasso é um modelo", afirma a neta do artista. "Ele teve contato com o cinema bastante jovem. Ver os trabalhos de cineastas fazia sentido para ele, uma vez que eles também trabalhavam com movimento."
Entretanto, o que mais chama a atenção em todas as pinturas e esculturas reunidas no Grand Palais, é que, assim como o seu trabalho, o homem Picasso também é fonte de inspiração para outros artistas. A escultura de Maurizio Cattelan no início da exposição é uma espécie de tributo à figura de Picasso e seu famoso suéter listrado. "Há uma fascinação pelo homem", diz Bouvard.
Após a morte de Picasso em 1973 e uma década de críticas apontando que o espanhol havia "perdido" seu talento, ele voltou a ser uma grande estrela. "Em 1979, houve uma exposição de Picasso no Grand Palais e a abertura do Museu Picasso", conta Bouvard. "A partir de então, vimos numerosas exposições sobre ele em todo o mundo. Desde então, continuamos a descobrir e redescobrir seus trabalhos."
Descontruindo o mito
Enquanto Picasso era coroado como o gênio do século 20, ele aos pouco se tornava um mito. Seu nome foi até utilizado, há dez anos, para vender automóveis da Citroen.
Mas nem todos concordam com esse mito. O escultor Bernar Venet afirmou recentemente à revista francesa Télérama que escolheria Malevitch ou Duchamp a Picasso, descrevendo a "liberdade conceitual" deles como "amplamente removida" das pinturas de Picasso.
Longe de esconder isso, os curadores da "Picasso.mania" dizem que queriam mostrar artistas interagindo, respondendo e criticando Picasso. "No Museu Picasso, buscamos desconstruir o mito", diz Bouvard. "Queremos mostrar que Picasso era um artista com uma sensibilidade muito aguçada em relação ao que o cercava. Não acho que os mitos ainda existam. Com o acervo que temos, podemos desconstruir esse mito e a sua vida."
O que fica de Picasso para outros artistas é um mestre que sempre será fielmente lembrado, a partir do qual podem-se fazer tanto piadas quanto críticas. Numa das salas da exposição, está o famoso carro Xsara Picasso, da fábrica francesa Citroen – um trabalho de Bertrand Lavier intitulado Picasso Outremer, que brinca com a ideia de que o artista quase se tornou uma marca comercial.
"Conversei com [o artista americano] Bruce Nauman enquanto preparava a exposição", conta Widmaier-Picasso. "Ele me disse, com correção, que goste ou não dele, não há como evitá-lo."
Além das 60 mil pinturas e esculturas que produziu durante a vida, o espanhol deixou uma energia que inspira muitos. Segundo Widmaier-Picasso, ainda há muito mais a descobrir sobre a história do artista. "Ultimamente, o trabalho do final de sua vida tem ganhado destaque", conclui.
A mostra Picasso.mania fica em cartaz no Grand Palais de Paris até o dia 29 de fevereiro de 2016.