EUA-América Latina
7 de março de 2007DW-WORLD: O presidente George W. Bush está viajando à América Latina. Há protestos contra ele em quase todos os países. Segunda a revista Time, de todos os chefes de Estado e de governo do mundo, Bush é o de pior fama no continente latino-americano. Até que ponto ele mesmo é culpado por sua imagem negativa?
Ricardo Lagos: Isto tem a ver, principalmente, com a percepção que se tem aqui na região da política externa de Bush para o Oriente Médio, em especial o Iraque e o Afeganistão. Após o 11 de setembro, foi muito grande o apoio internacional a Bush. O povo norte-americano passou por um dos seus piores momentos. A compreensão pelo governo dos EUA diminuiu, entretanto, com a forma e a maneira da luta contra o terrorismo.
No que se refere ao Iraque, Bush atuou fora do sistema das Nações Unidas. Na ocasião, alguém me disse: "Talvez eles vençam a guerra, mas eles irão perder a paz". Depois de quatro anos, eles pagam agora a conta. Esta percepção não existe somente na América Latina, mas também em outras partes do mundo.
A administração de Bush também desprezou a região. Esta é apenas a segunda visita de Bush à América Latina...
Eu falei com Bush antes dos atentados. A minha impressão era que ele queria dar uma atenção especial à região. Mas, após o 11 de setembro, a agenda internacional foi completamente determinada pelos atentados terroristas. Desde então, a América Latina sumiu do visor da Casa Branca. É verdade que, através de um tratado geral de livre comércio, Bush queria se aproximar da região. O erro foi pensar que se poderia chegar a um tratado sem considerar as diferenças dos diferentes países.
Isto é quase impossível. Um tratado de livre comércio com um país como o Brasil, com um mercado tão grande, tem que ser bem diferente de um tratado com um dos pequenos países caribenhos, que no total não têm mais de 15 milhões de habitantes. Não houve uma compreensão adequada do fenômeno comercial da América Latina.
Pouco antes da viagem, Bush anunciou um programa de ajuda de 75 milhões de dólares contra a miséria na América Latina. A iniciativa de Washington inclui programas educacionais e ajudas a pequenos empresários, por exemplo. Isto é uma expressão de consciência pesada ou Bush quer concorrer com os programas sociais de Hugo Chávez?
Do ponto de vista qualitativo, programas de ajuda são, em princípio, algo positivo. Quantitativamente, isto deve ser considerado na devida proporção. Para o que é hoje a América Latina, isto é algo bastante modesto. Deve-se diferenciar: existem países latino-americanos que não precisam de ajuda assistencial, como a Argentina, Chile ou o Brasil. Para estes, o resultado das conversações comerciais é mais importante. Muitos países dizem: we want trade, not aid (queremos comércio, não ajuda).
Queremos, sobretudo, condições de concorrência iguais para todos. As subvenções para a agricultura, pagas nos Estados Unidos e Europa, são um tema decisivo para nós.
As declarações do presidente venezuelano Hugo Chávez, um dos maiores opositores de George W. Bush, foram motivo mais uma vez de grande polêmica. O presidente dos EUA tem razão para temer o anti-americanismo de Chávez?
Primeiramente, deve-se constatar que Chávez está numa situação completamente diferente da maioria dos presidentes latino-americanos. Nestes países, é necessário, primeiramente, se investir para obter riqueza e então praticar uma política que faça essa riqueza chegar aos mais carentes. Devido ao petróleo, Chávez tem a sorte de já dispor de riqueza. O que importa aqui é a distribuição.
Não quero simplificar, mas uma parte da política externa de Chávez tem a ver com as reservas de petróleo, que vêm beneficiar alguns países da América Latina e do Caribe. Em comparação a Bush, Chávez é ali importante. Existem outros protagonistas cuja importância aumenta constantemente na região. A China exerce um papel cada vez mais importante. Com a viagem, Bush quer mostrar que os EUA continuam tendo interesse na região.
Observadores políticos afirmam que Bush tenta, com esta visita, isolar a Venezuela.
Isto não faz sentido. Em um mundo globalizado, é difícil isolar alguém. 80% da receita de Chávez provém da venda de petróleo para os Estados Unidos. Deve-se compreender que, na América Latina, as políticas são diferentes, porque existem realidades diferentes.
Por seus tons radicais, Chávez é perigoso para a região?
Chávez pode usar esse radicalismo na Venezuela. Mas fora, não faz o menor sentido. Esse discurso radical tem importância aqui no Chile? Não. Fizemos as coisas de forma diferente. Cada país tem sua própria realidade. A época de uma receita válida para todos já passou. O Chile tem uma economia bastante aberta. Nossas relações comerciais são diferentes das de outros países com uma economia mais fechada. Chávez faz aquilo que acha certo para Venezuela. Nisto, eu não vou me meter.
A visão de uma América Latina unida é então utópica?
Existe um certo progresso, no que se trata da integração. Acredito que iremos mais rápido, quando aceitarmos a contribuição de cada um. Na Europa, o motor foi, durante muito tempo, a Alemanha e a França. Eles puderam avançar muito mais rapidamente que outros países, como o Reino Unido. E nem eles propagam um modelo, uma política para todos.
Existem, certamente, diferenças. Observar a região como um todo é um grande erro. Cada país tem sua realidade. O senhor sabe por que um tratado de livre comércio com os EUA é tão problemático para os países caribenhos? Sua principal fonte de impostos são os impostos alfandegários. Se eles forem reduzidos por conta do livre comércio, de onde virão as receitas? Eles vão ter que criar novos impostos. Aqui não se trata de proteger a indústria nacional, pois ela não existe.
Uma importante estação da visita de Bush é o Brasil. Ali, Bush quer conversar sobre a fabricação de combustível a partir da matéria-prima renovável. Juntos, os dois países são responsáveis por mais de 70% dos biocombustíveis produzidos no mundo. Trata-se aqui do desenvolvimento de um mercado futuro e, com isso, da diminuição da dependência do petróleo venezuelano?
Aqui se trata de aproveitar a experiência do Brasil. Já há muitos anos, o Brasil está à frente em matéria de biocombustíveis. Para isso, necessita-se de grandes áreas, certamente. Não é todo país que é apropriado para tal. Mas, aqui se trata, sobretudo, de se tornar independente de combustíveis fósseis, da produção de combustíveis mais limpos. Aqui se trata, sobretudo, do futuro e não de enviar qualquer tipo de recado a Chávez.