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Eurovisão: sismógrafo político e social em forma de canção

Aygül Cizmecioglu / av14 de maio de 2004

Da Finlândia à Itália, Irlanda à Áustria, os olhos estão cravados em Istambul. O Eurovisão simbolizava a paz no pós-guerra, e continua tentando aproximar o continente. Ou forçar um gosto musical uniforme?

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Max, representante da Alemanha, ensaia em IstambulFoto: AP

Todo ano, esse sábado de maio é sagrado para milhões de alemães: providenciar batatinhas fritas, convidar os amigos e, às 21h00 em ponto, sentar-se diante da televisão. Com uma fanfarra bombástica é dada a partida para o mais famoso show da Europa: o Grand Prix de la Chanson ou Eurovision Song Contest, como passou a ser chamado o concurso nos últimos anos.

Mais de 20 países participam do confronto musical em 2004. Cada um pode votar com até 12 pontos, e quem receber mais pontos entra para o panteão da canção européia. Em 1974, o conjunto sueco Abba venceu o grande prêmio, e em 1988 foi a vez de Céline Dion: a vitória no Eurovisão foi também a grande chance internacional para a canadense.

Além de ser um trampolim para carreiras, o concurso da canção européia é também um espelho da Europa. Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, as emissoras de direito público do continente reuniram-se para encontrar uma forma de esquecer os horrores da guerra e levantar um símbolo da convivência pacífica.

Princípios conservadores

Jan Feddersen, autor de um livro sobre o Grand Prix, conta que as primeiras idéias tinham a ver com circo, depois com esporte. Até que se chegou à música. E de início, o estímulo adicional era opor algum tipo de resistência à americanização da indústria pop, manter vivo o patrimônio da canção européia.

Em conseqüência, os concursos das décadas de 50 e 60 não eram dominados pelos sons do rock ‘n’ roll e do swing, mas sim por baladas simples, com temas de cunho nacional: enquanto a Alemanha importava a mão-de-obra dos Gastarbeiter ("trabalhadores hóspedes"), Conny Froboess entoava Zwei kleine Italiener (Dois italianinhos).

Para conquistar o público, uma cantora tinha que ser engraçadinha, convencional e bem comportada. Uma mulher trajando calças era impensável, e o comprimento da saia, decisivo para o sucesso no Grand Prix. Sobretudo os católicos do sul da Europa castigavam imediatamente uma saia curta, cortando os seus pontos proporcionalmente.

Olimpíada do glamour

Aí chegou o revolucionário ano de 1968. As cantoras não eram mais apresentadas como "senhoritas", e a onda de protesto da geração jovem contagiou os textos do concurso. Cada vez mais paz, poluição ambiental e emancipação tomava o lugar do amor e dor na canção européia.

Ao mesmo tempo, um novo grupo descobriu o Grand Prix para si: a comunidade gay. Organizando festas e fundando os primeiros fã-clubes na Europa, ela ajudou a transformar o show popularesco num evento cultural. Uma dessas manifestações é o jornal Eurosongnews. Seu editor, Ivor Lyttle, calcula em 90% a participação dos homossexuais no culto do Grand Prix.

Afinal, trata-se de uma "olimpíada do glamour", estando para os gays assim como o futebol está para outros, define Lyttle, "para nós, é uma espécie de Natal, todos os anos". Entre os aspectos mais sérios dessa fascinação, contudo, está a variedade – de idiomas, de culturas e gêneros musicais.

Política exterior com outros meios

Especialmente importante para Lyttle é a distribuição de pontos no final do show, que ele considera uma continuação da política externa, com outros meios. Assim, a Áustria punia nos anos 60 a ditadura direitista de Franco na Espanha com notas baixas. A Grécia e a Turquia expressam sua discórdia em relação ao Chipre concedendo-se zero ponto mutuamente.

Por outro lado, a Alemanha sempre deu notas altas a Israel, em parte para simbolizar uma reconciliação entre alemães e judeus. Jürgen Meier-Beer, um dos organizadores do evento, acrescenta: "Ao observar, por exemplo, se a Turquia e Alemanha dão pontos uma para a outra ou não, cada espectador reflete a relação entre as pessoas, entre os povos". Essa manifestação é muito mais forte do que ler opiniões num jornal.

Política para todos, em embalagem cintilante: o Grand Prix da Canção é um sismógrafo político e social da Europa. Se se trata de provar quão multicultural a Alemanha é, basta mandar uma banda turco-germânica para a competição. A autoconfiança dos países bálticos também se reflete na série de vitórias dos últimos anos.

Mas num continente unificado, a prioridade não é marcar os contornos nacionais. Por isso, desde 1999 adotou-se o esperanto universal do idioma inglês. Há quase 48 anos, o Eurovisão é um esforço para aproximar a Europa musical e socialmente. Para conferir o sucesso do empreendimento, basta ligar a televisão, num sábado de maio.