Espírito de Brecht volta a Berlim
1 de maio de 2006O dia agendado para a estréia é o 11 de agosto próximo, exatamente três dias antes do aniversário da morte de Brecht (14/08/1956), que escreveu A Ópera dos Três Vinténs em 1928, em parceria com o compositor Kurt Weill. A comédia musical inclui a canção mais conhecida de Weill – A Balada do Soldado Morto.
Se no resto do mundo a canção costuma ser entoada por pessoas que talvez nunca tenham ouvido falar de Weill ou Brecht, na Alemanha ela continuará para sempre associada ao espírito boêmio de Berlim durante a República de Weimar.
Para resgatar Brecht, o produtor do musical, Lukas Leuenberger, contratou ninguém menos que o ator austríaco Klaus Maria Brandauer, conhecido, entre outros, por ter atuado em Lugar nenhum na África, da diretora alemã Caroline Link, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2003.
Novo formato
Brandauer aparece ao lado do cantor punk e ator de primeira viagem Campino, o líder ruivo da lendária banda alemã Die Toten Hosen, que assume o papel do bandito Macheath. Katrin Sass, uma das atrizes de Adeus, Lênin (2002), o sucesso de público de Wolfgang Becker sobre o filho que esconde da mãe doente que o Muro de Berlim caiu, é a Senhorita Peachum no musical.
O especialista em teatro Hans-Jürgen Drescher, diretor da editora Suhrkamp, acredita que o diretor e seu elenco devem "dar uma nova cara à Ópera dos Três Vinténs". Um musical que, segundo ele, "pertence para sempre a Berlim e principalmente ao bairro Mitte".
Crítica social ainda é pertinente
Brecht estava começando a explorar idéias marxistas quando escreveu A Ópera dos Três Vinténs. O resultado, como se vê, modifica os conceitos convencionais de propriedade e propõe novas formas que substituem o teatro convencional, alfinetando a sociedade burguesa. A análise social, acredita o especialista Drescher, ainda é pertinente em relação aos tempos atuais.
Brecht viveu e escreveu na Chaussestrasse, em Berlim-Mitte, um local próximo ao teatro Admiralpalast, que movimentou a região por mais de cem anos até ser fechado há quase uma década atrás. O prédio, originariamente um casa pública de banhos cujo nome anterior era Eispalast, serviu a partir de 1910 como centro de entretenimento.
Excessos do passado
A edificação manteve os banheiros originais, embora tenham sido anexados posteriormente cafés, clubes e uma pista de patinação no gelo, que serviu, no passado, de salão de bailes noturnos.
Em 1922, a pista de patinação foi transformada em um teatro com mais de mil lugares. A fama do Admiralpalast de centro hedonista estava formada. A fachada ornamentada escondia ainda um cassino e, segundo reza a lenda, um bordel.
"O espaço era um lugar de festas excessivas", diz o novo proprietário do complexo, Falk Walter, ao diário berlinense taz, die Tageszeitung. O jornal observa que o teatro, situado na parte da rua Friedrichstrasse que ficava exatamente atrás da Cortina de Ferro (leia-se Muro de Berlim), servia também como bússola do clima político da cidade.
Durante o período nazista, o ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, mandou mudar a decoração do local, onde o ditador nazista tinha um lugar cativo. No período comunista, o teatro era conhecido como centro político dos poderosos.
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De palácio hedonista a palco socialista
O Admiralpalast escapou das bombas da Segunda Guerra e, em 1946, serviu de palco para o nascimento oficial da República Democrática Alemã (RDA), de regime comunista. No pós-guerra, o palácio abrigou ainda a ópera, que foi reformada para reparar os estragos deixados pelos bombardeios.
Brecht, um comunista ferrenho que havia fugido da Alemanha nazista devido à sua oposição ao regime, voltou após o exílio em Hollywood para Berlim, onde fundou o teatro Berliner Ensemble, a poucos metros do Admiralspalast.
O palácio sobreviveu por décadas como espaço para concertos, shows, musicais e operetas, tendo se transformado em um cinema pouco antes de ter suas portas fechadas em 1997.
Em busca da glória perdida
O empresário Walter comprou o edifício da cidade de Berlim por um milhão de euros e diz ter gasto nada menos que 12 milhões com reformas. Tudo para reaver a glória perdida.
Se o cassino e o bordel são coisa do passado, as antigas piscinas art nouveau e as fotografias em preto-e-branco de mulheres em maiôs de época, datadas dos anos 20, serão restauradas, garante Walter.
O empresário vai também instalar um café monumental, um clube de jazz e uma boate, que não devem destoar do cenário fashion e dos restaurantes chiques que fazem da Friedrichstrasse de hoje o protótipo da encarnação do capitalismo. "É o início de uma nova era para um lugar com mais de cem anos de história", conclui Walter.