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ConflitosTurquia

Erdogan "toma cuidado para não cruzar" os limites de Putin

Roman Goncharenko
6 de agosto de 2022

Os presidentes da Turquia e da Rússia reuniram-se nesta sexta-feira em Sochi. Como Erdogan consegue manter as relações com Moscou e ao mesmo tempo ajudar a Ucrânia na guerra?

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Erdogan e Putin se cumprimentam
Os dois chefes de Estado encontraram-se no balneário russo de SochiFoto: MURAT KULA/TURKISH PRESIDENTIAL/AFP

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, encontrou-se com o presidente russo, Vladimir Putin, nesta sexta-feira (05/08), no balneário russo de Sochi. Entre outros temas, eles discutiram a guerra na Ucrânia e a retomada das exportações de grãos através do Mar Negro, viabilizada por um acordo que a Turquia ajudou a intermediar.

Pouco antes da reunião entre os chefes de Estado, a DW entrevistou Maryna Vorotnyuk, especialista na região do Mar Negro do Royal United Services Institute, em Londres, sobre o papel mediador de Ancara e como Erdogan está conseguindo manter o seu equilíbrio político entre a Rússia e a Ucrânia.

DW: É justo dizer que a retomada das exportações ucranianas de grãos é principalmente um sucesso para a Turquia, como nação mediadora, e para Erdogan?

Maryna Vorotnyuk: Antes de tudo, a posição da Turquia em relação à Ucrânia e à Rússia é bastante complexa e ambígua. Embora a Turquia seja um membro da Otan, sempre tentou posicionar-se como uma ponte entre o Ocidente e a Rússia. A Turquia tem seus próprios interesses nacionais estratégicos, e não é do seu interesse assumir uma posição abertamente pró-Otan ou pró-Rússia, ou uma posição pró-ucraniana. O fato de ela ter conseguido desempenhar o papel de mediador entre a Ucrânia e a Rússia no acordo de grãos é provavelmente uma prova de que a Rússia também vê o papel da Turquia como bastante útil para os interesses russos – e, é claro, dessa forma ela procura extrair alguns dividendos diplomáticos e políticos para si. O fim do bloqueio aos portos ucranianos é um evento muito importante, e o papel da Turquia nisso é realmente significativo.

Qual é o segredo de Erdogan? Como ele consegue se colocar em ambas as posições? Por um lado, a Turquia está fornecendo drones Bayraktar à Ucrânia e ao mesmo tempo se posiciona como mediador. Por outro lado, a Turquia não impôs sanções à Rússia, e está ajudando a Rússia a obter produtos sancionados do Ocidente.

Marina Vorotnyuk RUSI
Maryna Vorotnyuk é especialista na região do Mar Negro do Royal United Services Institute, em LondresFoto: privat

Essa posição reflete a cultura estratégica da Turquia. A Turquia tem seus próprios interesses estratégicos, e é seguindo esses interesses que ela desempenha o papel de parceiro equidistante da Rússia e da Ucrânia. Isso significa que, para a Turquia, não há contradição em fornecer drones Bayraktar à Ucrânia; ou, por exemplo, ao Azerbaijão no conflito de Nagorno-Karabakh, que também colide de certa forma com os interesses russos; ou, por outro lado, em apoiar os adversários da Rússia na Síria ou na Líbia, enquanto também compra sistemas de defesa aérea russos S-400, permite à empresa russa Rosatom construir uma usina nuclear em Akkuyu, na Turquia, ou compra gás russo.

Portanto, há uma série de fatores que, à primeira vista, parecem contradizer-se entre si. Mas a Turquia está conseguindo manter esse equilíbrio entre a Rússia e o Ocidente. Você perguntou qual é o segredo de Erdogan. As pessoas costumam dizer que Erdogan e Putin têm uma boa química: dois líderes autoritários, que têm um estilo específico de liderança e são capazes de resolver certos conflitos em contatos de alto nível – muitas vezes, acredita-se, baseados na confiança. Entretanto, é claro para nós que não se trata realmente de uma questão de confiança, mas de um certo respeito pelos interesses um do outro. E esse respeito permite que eles compartilhem esferas de influência na região, inclusive no Mar Negro.

Muitas pessoas previram que, mais cedo ou mais tarde, o apoio aberto da Turquia à Ucrânia atravessaria uma linha vermelha para a Rússia e levaria a um confronto direto entre a Rússia e a Turquia. Ainda não estamos vendo nenhum confronto aberto.

Você falou em uma linha vermelha. Onde a Rússia traça essa linha em sua cooperação com a Turquia?

A Turquia está tomando muito cuidado para não cruzar essas linhas vermelhas. Isso significa: sim, o fornecimento de Bayraktars é um ponto nevrálgico nas relações russo-turcas. A Turquia está pisando nos dedos da Rússia nesse ponto. Mas, ao mesmo tempo, está fazendo tudo o que pode para garantir que não doa muito, e está tentando compensar isso fazendo concessões em outras áreas estratégicas. Por exemplo, tentando responder com muita cautela à política russa para o Mar Negro. Ainda que a Turquia seja um jogador extremamente importante na região do Mar Negro, ainda vemos que ela permite que a Rússia domine o Mar Negro.

Erdogan e Putin sentados lado a lado
Turquia tem relação complexa e ambígua com a RússiaFoto: Vyacheslav Prokofyev//Sputnik/REUTERS

A Turquia está tentando oferecer à Rússia certos dividendos, na medida em que não aderiu à imposição de sanções, não fechou seu espaço aéreo aos aviões russos após 24 de fevereiro – permitindo assim que os aviões russos façam voos internacionais – e segue recebendo turistas russos.

Até que ponto Erdogan está agindo de forma independente no confronto entre a Rússia e a Ucrânia? Ele coordena sua abordagem com os Estados Unidos?

É difícil dizer. O fato é que o diálogo turco-americano tem sido ofuscado nos últimos anos por conflitos muito sérios. Quando Joe Biden tornou-se presidente, havia esperança de que ele tentaria retomar o diálogo com a Turquia, pois ele tem consciência da importância estratégica da Turquia. Neste momento, não estamos vendo nenhuma melhoria significativa nessas relações. Portanto, eu não diria que existe uma coordenação específica rotineira no que diz respeito à Rússia. Isso não me parece possível. Mas é claro que cada um está levando em conta os interesses do outro.

Várias rodadas de conversas entre a Rússia e a Ucrânia já foram realizadas na Turquia. Até que ponto a Turquia pode tentar pressionar cautelosamente a Ucrânia nas próximas semanas ou meses para retomar as negociações com a Rússia – sobre um cessar-fogo, por exemplo?

Estou muito pessimista em relação a isso. Até que ponto um mediador pode desempenhar um papel construtivo se o Estado agressor não estiver disposto a cessar suas atividades armadas? Penso que devemos ser claros quanto aos limites da posição da Turquia a esse respeito. Quanto às tentativas da Turquia de pressionar a Ucrânia para algum tipo de acordo, já estamos vendo isso. Se você olhar o vocabulário de Erdogan, e o de outros representantes turcos, eles dizem que é muito importante alcançar a paz, e então tentam cuidadosamente contornar a questão de quem é o principal obstáculo à paz. O que a Rússia está fazendo agora é apenas uma tentativa de ganhar tempo. É uma tentativa de se apresentar como um parceiro confiável que se preocupa em alimentar o mundo, mas que na verdade continua perseguindo seus objetivos militares na Ucrânia. E se a Turquia está tentando apresentar o acordo sobre grãos como um caminho para um [novo] acordo, isso me parece ser algo ilusório, porque nos cálculos estratégicos da Rússia é certamente possível que esses dois fatores, essas duas orientações políticas, coexistam.