Em resposta a Trump, campanha apoia grupos pró-aborto
3 de março de 2017A estudante de direito Mariame Keita estará na Assembleia Geral das Nações Unidas em outubro, representando a juventude belga numa iniciativa para colocar a saúde e os direitos das mulheres na vanguarda da agenda internacional. Mas a jovem confiante de 21 anos quase cai em prantos quando pensa em sua prima de 19 anos, grávida na Guiné, condenada ao ostracismo pela família por quebrar o tabu do sexo antes do casamento e que teme ser abandonada pelo parceiro.
"É tão triste ver isso", diz, emocionada em entrevista à DW. "Estou muito feliz de ter tido educação sexual, de ter acesso a contraceptivos, de saber do que estamos falando."
Marianne contou a história de sua prima numa conferência organizada pelo governo belga para financiamento de uma nova campanha sobre aborto seguro e defesa dos direitos das mulheres. A campanha She Decides (ela decide), cujo nome é o mesmo da conferência em Bruxelas, é uma resposta ao corte do governo do presidente americano, Donald Trump, de assistência financeira a organizações que oferecem aborto ou aconselhamento sobre aborto.
Cinco semanas depois de ter sido lançada pela ministra holandesa de Comércio Exterior, Liliane Ploumen, a iniciativa recebeu a adesão de quase 50 países, além de inúmeras organizações e fundações. Com as promessas de governos e instituições, além de 50 milhões de dólares de um doador americano que deseja permanecer no anonimato, já foi levantado um total de 181 milhões de euros.
"Lei da mordaça"
"Para mim, o assunto de que estamos falando aqui é algo muito real", observa Marianne. "No verão passado, eu perguntei a minha prima se ela tinha um namorado, e ela estava tão feliz. Nem pensei na possibilidade de que ela não soubesse sobre contracepção, porque é algo tão natural para nós aqui."
Os parentes da moça estão entre as cerca de 225 milhões de mulheres em todo o mundo cujo acesso ao planejamento familiar, já praticamente inexistente, está ainda mais ameaçado após a proibição determinada por Washington, conhecida como "Política da Cidade do México" ou, mais coloquialmente, como "lei da mordaça global".
Trump assinou o decreto em seu primeiro dia no cargo, visando privar prestadores de serviços contraceptivos e reprodutivos no mundo todo de cerca de 600 milhões de dólares no curso de seu mandato de quatro anos.
Os EUA são o maior doador bilateral de fundos para planejamento familiar em todo o mundo, mas há décadas é considerado ilegal que o país financie diretamente abortos. Embora presidentes republicanos anteriores também tenham imposto restrições, Trump as expandiu de tal forma que até mesmo organizações que utilizam seus próprios fundos para quaisquer atividades relacionadas a abortos perderão o direito de receber assistência financeira dos EUA.
"Não vamos fechar os olhos"
A Marie Stopes International (MSI) é uma dessas instituições que necessitam suporte global para prestar seus serviços em todo o mundo e que reage alarmada à decisão.
"Isso significa efetivamente que as ONGs perderão toda ajuda dos EUA, mesmo se simplesmente informam uma mulher de que o aborto é uma opção legal no seu país ou se a encaminham a outro provedor ou advogado de direitos de aborto com seus recursos alternativos próprios", disse a MSI, por meio de comunicado.
Falando durante a conferência She Decides, a presidente executiva da MSI, Simon Cooke, disse que as sanções não mudarão o trabalho da MSI. "Negação de direito de aborto e recusa em reconhecer isso não significam que o problema vá desaparecer", disse Cooke. "Na MSI, nos recusamos a fechar os olhos."
A organização avalia que até o final do mandato de Trump, sem financiamento alternativo, o veto criará problemas que o governo americano supostamente quer evitar, causando 6,5 milhões de gravidezes indesejadas, 2,1 milhões de abortos inseguros e 21.700 mortes maternas.
A Alemanha está entre os governos que não aderiram à iniciativa. Isso não agrada Renate Bähr, diretora executiva da fundação Deutsche Stiftung Weltbevölkerung (DSW). Bähr avalia que a decisão dos EUA terá "consequências catastróficas" para algumas das comunidades mais vulneráveis do mundo.
"Precisamos de governos que reagem e tentam fechar essa imensa lacuna de financiamento", afirma Baehr. "É por isso que estamos pedindo ao governo alemão que se junte a este movimento e aumente seu financiamento a projetos de saúde sexual e reprodutiva."