Drama humanitário se acirra na fronteira venezuelana
26 de fevereiro de 2019A cada táxi que se aproxima da Ponte Simon Bolívar, Jorge corre esbaforido atrás dos carros amarelos que nesses dias de crise se transformaram em lotações improvisadas: "Para San Antônio, 15 mil pesos, 15 mil pesos a San Antônio". Ao seu lado, outros tantos "cruzadores" como ele fazem ofertas semelhantes. Uns mais caros, outros mais baratos, a depender do ponto escolhido pelo cliente para atravessar ilegalmente a fronteira entre a Colômbia e a Venezuela por trilhas que cortam o Rio Táchira, que divide os dois países.
Desde que a tentativa de entrar à força na Venezuela com toneladas enviadas pelos Estados Unidos fracassou, no último sábado, Jorge tem se dedicado a trabalhar como uma espécie de coiote. "Eu trabalho de carregador de malas, mas, com a fronteira fechada, não estamos conseguindo dinheiro nem para comer, então agora estou ajudando as pessoas a voltar para casa pelas trochas”, conta ele, usando o termo aplicado por aqui para definir as passagens ilegais que ligam os dois países.
Desde sábado (23/02), as fronteiras entre a Colômbia e a Venezuela estão fechadas. Os embates entre manifestantes e forças de segurança venezuelanas que impediram a passagem do comboio de mantimentos americanos fizeram Nicolás Maduro romper relações diplomáticas com a Colômbia. Os colombianos, por sua vez, decidiram fechar o cruzamento das pontes que ligam a cidade de Cúcuta à Venezuela até a quarta-feira. Com a escalada da crise, ninguém sabe ao certo quando as fronteiras serão reabertas.
Até a sexta-feira, mais de 40 mil venezuelanos cruzavam diariamente a Ponte Simon Bolívar. Entravam em território colombiano para comprar comida, remédios ou acessar serviços básicos como a distribuição de pílulas anticoncepcionais, praticamente inexistentes do lado venezuelano. Centenas vinham todos os dias a Cúcuta em busca de serviço médico oferecido por organizações como a Cruz Vermelha e outras entidades internacionais, como o Alto Comissariado da ONU para Refugiados.
"Eu sou diabética e hipertensa, sem meus comprimidos posso morrer, preciso chegar até o centro de atendimento", conta Liliana Ordaz, uma aposentada de 65 anos que cruzava com dificuldades as águas rasas do Rio Táchira. Com a ajuda de Jorge, o coiote improvisado, passou pelas pedras sem cair e chegou até a trilha de terra batida que a levaria à entrada da Ponte Simon Bolívar. "Não temos mais nada e agora precisamos passar por isso, essas pessoas não tem amor no coração, não veem o que povo está fazendo para sobreviver", dizia ela, emocionada ao lembrar que todos os filhos e netos se foram da Venezuela para fugir da miséria que assola o país.
Liliana mora em San Cristóbal, uma cidade a poucos quilômetros da fronteira e cruzava a ponte todos os meses. Sua situação, ainda que dramática, é mais confortável que a de milhares de venezuelanos que vivem em Cúcuta e dependem diretamente o intenso trânsito nas pontes entre os dois países para sobreviver. Eles vêm de estados distantes, também fugindo da fome e da miséria e passam o dia vendendo tudo o que podem àqueles mais afortunados que podem vir à Colômbia e retornar para suas casas na Venezuela.
"Hoje não consegui fazer nenhum peso, não sei como será, não tenho nem para pagar pelo meu quarto", conta Yasmelli Goméz, que vive com uma filha de um ano e dois meses e o marido em uma pensão à beira da ponte. Ela, como tantas mulheres com crianças pequenas passava o dia a vender água em pequenos sacos plásticos aos compatriotas. Sem o movimento da ponte, não está fazendo dinheiro algum.
Seu marido ainda estava no hospital. Empolgado com as promessas do autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, de que a carga de 600 toneladas enviadas pelos EUA entraria de qualquer forma no país, juntou-se aos manifestantes que enfrentaram os soldados da Guarda Nacional Bolivariana. Recebeu tiros de bala de borracha, um deles próximo do olho esquerdo. "Ainda está internado, dizem que não vai perder a visão, mas precisa de cuidados", diz Yasmelli, com a pequena filha no colo, em busca dos voluntários que distribuem comida aos milhares de venezuelanos presos desse lado da fronteira.
Yasmelli vem do estado de Vargas, já quase perto de Caracas. Não está disposta a cruzar a fronteira de volta porque tem medo da fome e dos paramilitares que patrulham as cidades fronteiriças, os temidos "Colectivos". Todos os coiotes como Jorge garantem que conhecem os caminhos em que os paramilitares não estão fazendo patrulha. Como todo bom vendedor, diz que tem amigos do outro lado que o informam sobre a situação e o momento certo de cruzar a fronteira.
Mas há riscos. Na segunda-feira, dois jornalistas venezuelanos que decidiram retornar a seu país por uma das trochas foram presos por soldados armados em trilhas no outro lado da fronteira. Um deles foi detido por horas. Mas acabou liberado. "Não vou mentir, há perigo, mas por enquanto os 'Colectivos' e os soldados estão deixando as pessoas passarem, sabem que não têm como controlar e eles também dependem do que vem daqui para lá. Não há nada na Venezuela", diz Jorge, que jura não ter cobrado nada da velha senhora que buscava atendimento médico. "Sou humano também, não sou um animal", disse, antes de pedir uma "colaboração" de cinco mil pesos à reportagem.
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