Veit Harlan
3 de maio de 2009O nome de Veit Harlan, cineasta a serviço de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda nazista, é associado principalmente a Jud Süss (O judeu Süss), o filme mais torpe e antissemita do período nazista, visto na época por mais de 20 milhões de espectadores em toda a Europa.
O historiador Felix Moeller, de Munique, conta em seu documentário Harlan im Schatten von Jud Süss (Harlan à sombra de Jud Süss) a história deste diretor esdrúxulo e polêmico, cujos filmes influenciaram incontáveis espectadores, dividindo cineastas e críticos. No Festival de Cinema de Veneza, O judeu Süss ganhou em 1940 o Leão de Ouro, tendo sido elogiado na época por Michelangelo Antonioni como uma "obra prima".
A família Harlan
Através de material do acervo familiar, publicado pela primeira vez, o filme de Moeller documenta em primeira linha o destino da família no pós-guerra. E questiona, por exemplo, como a sociedade de hoje lida com a herança do nazismo, perguntando também de que forma as novas gerações podem ou devem assumir a responsabilidade pelos crimes cometidos por seus pais ou avós.
"Escrevi um livro sobre o ministro da Propaganda nazista, no qual Veit Harlan sempre aparecia como diretor à serviço de Goebbels. Durante as pesquisas interessou-me o fato de esse filme, O judeu Süss, continuar proibido mesmo 70 anos depois. Um verdadeiro mito. Eu quis saber como alguém que tem o sobrenome Harlan lida hoje com isso", conta Moeller.
Entre repulsa e vergonha
Para isso, o diretor procurou em seu documentário, em primeiro plano, os membros da família de Veit Harlan, que hoje vivem espalhados pelo mundo: filhos, filha, netos, sobrinhas e sobrinhos. Todos dão depoimentos no filme, de forma surpreendentemente aberta e imparcial, a respeito da culpa do diretor de O judeu Süss e das consequências acarretadas por seus atos à vida dos descendentes. Estes acabaram frustrados, enojados, perplexos ou até boquiabertos, dilacerados entre o amor ao pai, a vergonha, a dor da lembrança e uma rejeição completa.
Christine, sobrinha de Harlan, conta que quando apresentou sua família ao então futuro marido, o cineasta Stanley Kubrick, a reação deste foi tomar primeiro um copo inteiro de vodca. Já Maria, filha de Harlan e atriz, casou-se com um colega judeu, também ator, cujo pai havia sido morto num campo de concentração. "Eu achava que estava fazendo uma boa ação, mas estava completamente errada. Não pude mudar nada e a sensação de reparar aquilo que também meu pai, entre outros, havia provocado, não me foi possível", diz ela.
Crítico ferrenho: o filho Thomas Harlan
O crítico mais severo do pai foi o filho mais velho Thomas Harlan, que, em sua carreira como ativista político e cineasta, procurou fazer um trabalho de reconciliação em vez de tomar para si a culpa do pai. "Quando você vê que aquilo que está produzindo é transformado, através do seu trabalho, num instrumento homicida, fica muito difícil dizer: eu tenho uma profissão e continuo fazendo filmes", diz Thomas Harlan no documentário.
Ao contrário de Thomas, o irmão Kristian rejeita qualquer forma de discussão pública a respeito do passado nazista do pai. Ou seja, uma fissura separa a família. A filha Maria, por exemplo, adotou nos anos do pós-guerra o sobrenome de solteira da mãe – Körber – a fim de preservar sua existência como atriz. Depoimentos como esse deixaram claro para o diretor Felix Moeller o enorme peso associado ao sobrenome Harlan.
Novas gerações: outras formas
O passado de Harlan é especialmente doloroso para sua neta Jessica Jacoby, cujo outro avô, judeu, foi assassinado pelos nazistas. Suas primas Lotte, Nele e Lena viram O judeu Süss pela primeira vez durante as filmagens do documentário de Moeller e se perguntaram "o que havia de tão mal assim naquele filme". O diretor observa: "Posso imaginar que as novas gerações hoje nem consigam reconhecer a malignidade de O judeu Süss. Pois diante de tudo o que surgiu depois ou do que circula na internet, o filme até parece antiquado e ultrapassado".
O documentário Harlan à sombra de Jud Süss é, assim, digno de ser visto, acima de tudo por permitir um olhar profundo na história de uma família alemã.
Autora: Kirstin Liese
Revisão: Augusto Valente