Divergências unem Davos e Porto Alegre
24 de janeiro de 2003Para Claus Leggewie, autor do artigo Jargão neoliberal e esperanto anticapitalista, publicado na edição de 23/1/2003 do influente diário alemão Frankfurter Rundschau, o "duelo à distância entre Davos e Porto Alegre é também uma luta das formas de um novo engajamento cívico". A evolução dos fatos nos últimos anos inverteu a situação, afirma Leggewie: "Não são mais os adversários da globalização que se devem justificar, mas são seus defensores que têm de conquistar confiança."
"Criar confiança" é este ano o tema do Fórum Econômico Mundial. Segundo o autor, isto é uma necessidade para Davos, "depois que estourou a bolha da especulação e se tornou conhecido, como os dirigentes do mundo, de salários exorbitantes, ainda se enriqueceram ilicitamente, antes de jogar as suas firmas – criminosamente sobrevalorizadas – no buraco, juntamente com os empregados, as caixas de pecúlio e a confiança dos consumidores".
Lula como símbolo
Apesar disto, considera Claus Leggewie, os temas dos painéis e dos fóruns tornaram-se convergentes e soam cada vez mais semelhantes, mesmo que em Davos se fale o "jargão neoliberal" e em Porto Alegre, o "esperanto anticapitalista". Independentemente de suas características próprias, os dois eventos reforçam a constatação de que não se pode seguir os rumos tomados até agora na economia mundial.
Leggewie cita a participação do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva como um verdadeiro símbolo da convergência dos dois fóruns. Para ele, os participantes de Davos tendem a constatar que ninguém passaria ileso pela eventual eliminação completa da economia regulamentada, em especial os países pobres nos dois hemisférios.
Tapumes grossos
Mas o mesmo ocorre no lado oposto, segundo o autor: "Também em Porto Alegre, predominará a constatação de que não se pode simplesmente abandonar a carruagem chamada economia mundial, quando se bem entender, e que o anseio de maior justiça social, de preservação ambiental e de democracia significa a necessidade de furar buracos em tapumes muito, muito grossos."
Leggewie conclui com o argumento de que a ameaça de guerra é um dos principais fatores que leva à convergência dos dois fóruns: "O que mais une os irmãos inimigos de Davos e de Porto Alegre, apesar de todas as divergências, (…) é o fato de que são os mais importantes obstáculos da guerra. O capital pode argumentar com a fragilidade da economia mundial (e tem de conter o grupo dos que buscam lucro com ela); o movimento pacifista transnacional pode criar insegurança para o partido beligerante, através da televisão e da sua influência nas enquetes, como ocorreu recentemente em Washington."
Finta dos globalizadores
Já Christian Semler, autor do artigo Dois lugares, dois espíritos, publicado pelo diário alemão Tageszeitung, vê as semelhanças entre os dois fóruns como uma finta dos organizadores de Davos. Ele cita a opinião de Antônio Martins, o líder da organização Attac no Brasil: "Que os príncipes da globalização, na direção das empresas e na política, tenham aberto seus corações para os problemas sociais e ecológicos do mundo é para ele mera retórica, apenas a música que acompanha a liberalização contínua dos mercados."
Na opinião de Semler, os dois eventos continuam distantes entre si: "Existem, de fato, diferenças básicas entre as duas conferências, no que diz respeito ao caráter dos fóruns, à autoconsciência e à apresentação dos participantes, ao tratamento dos problemas e à metódica das vias de solução."
Uma das principais diferenças entre Davos e Porto Alegre, diz o autor, está na forma da sua realização – "uma é fechada, a outra é aberta". Enquanto na Suíça o círculo dos participantes é escolhido com extremo rigor, no Rio Grande do Sul toda pessoa interessada e engajada é bem-vinda e pode participar livremente dos debates.
Nomes famosos
Apesar disto, Christian Semler também vê algumas semelhanças: "Davos considera importante enfeitar-se com nomes famosos dos setores político, econômico e científico. Também em Porto Alegre, é desejada a presença de renomados críticos da globalização."
E pergunta, de forma irônica: "Por que a esquerda adora as manifestações de massa, enquanto que os poderosos e pseudo-poderosos preferem clubes fechados?"