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Dissonância cristã

8 de agosto de 2019

Enquanto o Brasil inteiro reza por um futuro melhor, é preciso separar religião de política. O lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" sugere fé, mas para Bolsonaro parece não passar de ferramenta de campanha.

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Apoiadores de Bolsonaro no Rio de Janeiro, em maio de 2019
Apoiadores de Bolsonaro no Rio de Janeiro, em maio de 2019Foto: AFP/C. de Souza

Caros brasileiros,

o Cacá Diegues deve ter razão: Deus é brasileiro – e ele precisa tirar umas férias. Ele deve estar sobrecarregado já há alguns anos. Afinal, a busca pelo apoio divino está grande. Parece que o Brasil inteiro está rezando por um futuro melhor. Na missa, no estádio, na rua, na praia, na comunidade, na prisão, no Congresso e no Planalto.

Por isso, como cristã e membro da comunidade luterana peço a vocês: deixem Deus descansar! Tirem Deus da agenda política! Poupem o Senhor dos abismos de Brasília e do Planalto. Pois a palavra de Deus é grande demais para se enquadrar em campanhas eleitorais ou em programas de partidos.

Aliás, poucas palavras da Bíblia bastam para chegar à conclusão de que é melhor separar fé pessoal de políticas públicas. Na sua epístola aos Gálatas, o apóstolo Paulo escreveu que "o fruto do Espírito de Deus é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade" (Gálatas 5,22).

No Sermão da Montanha, o apostolo Mateus advertiu: "Cuidado com os falsos profetas! Vêm ter convosco como se fossem ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos é que vocês os hão-de reconhecer. Porventura podem colher-se uvas das silvas ou figos dos cardos? (Mateus 7, 15-16).

O presidente Jair Bolsonaro parece mais um "falso profeta" do que um "fruto do Espírito de Deus". O seu lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" sugere fé. Mas essa fé em Deus que move milhões de brasileiros pelos quais tenho profunda admiração, para Bolsonaro parece mais uma ferramenta de campanha política do que um guia pessoal.

Bolsonaro não age sozinho. Na campanha eleitoral, os crentes eram cobiçados por diversos pré-candidatos. E a poderosa bancada evangélica no Congresso, que reúne 195 deputados e oito senadores, muitas vezes também se apresenta na pele de ovelha. Pois pautas como o porte de armas e a redução da maioridade penal não refletem o mandamento cristão do amor ao próximo.

Os planos do presidente e de seus aliados não se restringem a esses projetos legislativos. Poucos dias atrás, Bolsonaro avisou que quer indicar para o Supremo Tribunal Federal um ministro "terrivelmente evangélico". Na sua conta no Twitter ele postou: "O Estado é laico, sim. Mas o Presidente da República é cristão, como aproximadamente 90% do povo brasileiro também o é."

Está certo. O Brasil é um Estado laico desde 1889. A Constituição brasileira defende a liberdade de religião bem como a liberdade de não ter religião nenhuma. E graças a essa garantia, o católico Bolsonaro teve a liberdade de mudar de religião, de se converter de católico para evangélico. Em maio de 2016, ele foi batizado nas águas do rio Jordão, em Israel, pelo pastor da Assembleia de Deus Everaldo Dias Pereira, ex-candidato a presidente da República pelo PSC.

Mas infelizmente, com Bolsonaro, chegou ao poder um cristão que prega o evangelho, mas na prática o desrespeita. Um presidente que ainda como deputado, em 2014, ofendia uma colega dizendo que ela não merecia ser estuprada por ele porque era "muito feia" e não fazia seu "tipo". Um presidente que disse que "direitos humanos no Brasil só defendem bandidos". Um presidente que defende a tortura, a violência policial, o trabalho infantil e o desmatamento da Amazônia.

Imagino que essa dissonância cristã deve doer nos ouvidos divinos. Por isso imploro a vocês: pelo amor de Deus, parem de gritar e abusar do nome Dele! Tenho certeza que ele preferiria preces silenciosas a posts polêmicos nas redes sociais. Se Deus é brasileiro, o Diabo também é.

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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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