Desmatamento assombra promessas do Brasil na COP21
30 de novembro de 2015No universo das negociações climáticas, a equipe diplomática brasileira sempre foi reconhecida pela habilidade de criar consenso. Mas nesta edição da Conferência do Clima (COP21), em Paris, os negociadores terão primeiro que dar garantias de que o Brasil vai conseguir cumprir todas as metas que assumiu para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, que aceleram as mudanças climáticas.
Às vésperas da conferência, que começa nesta segunda-feira (30/11), o país teve que comunicar ao mundo que o desmatamento na Amazônia – historicamente a maior fonte de emissões do Brasil – aumentou 16% de julho de 2014 a agosto de 2015. A área desmatada chegou a 5.831 km2, equivalente ao tamanho de Brasília/DF.
Segundo uma análise prévia do Ministério do Meio Ambiente, as novas áreas desmatadas estariam vinculadas à expansão da pecuária e da agricultura nos estados de Mato Grosso, Amazônia e Rondônia. "Está ocorrendo uma mudança no perfil das áreas desmatadas: antes havia um desmatamento pulverizado, mas agora estão desmatando em grandes áreas", declarou a ministra Izabella Teixeira.
Até então, o Brasil era elogiado internacionalmente por suas ações de combate ao desmatamento. Nesta conferência, pode ser que o tom mude. "Isso tem um impacto muito grande no posicionamento do país. Toda a diminuição de emissões vem do fato de cortar o desmatamento. Quando se aumentam as emissões justamente no foco em que o Brasil coloca mais atenção, isso fragiliza o país, gera um ponto de atenção muito grande no que o país está fazendo nas negociações", analisa Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.
"O aumento das taxas de desmatamento na Amazônia representa um retrocesso nos esforços do Brasil para proteger suas florestas, uma parte importante de atingir suas metas de emissões climáticas", afirma Rachel Biderman, diretora do Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês).
Para cumprir as promessas
Como parte dos preparativos para essa rodada de negociações em Paris, que deve selar um acordo global de redução de emissões, os países apresentaram suas "pretendidas contribuições nacionalmente determinadas" (INDC, na sigla em inglês). A promessa brasileira foi de, até 2025, cortar 37% das emissões com base no patamar de 2005. Em 2030, a redução deve ser de 43%.
O desmatamento, que era responsável por 58% das emissões brasileiras há uma década, atualmente está na casa dos 15%. Já as emissões de energia, geradas a partir da queima do combustível fóssil, saltaram de 16% para 37% no mesmo período.
Para Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e pesquisador do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o recente aumento no desmatamento e o seu possível impacto nas emissões de CO2 vão exigir mudanças. "Novos instrumentos para acompanhar ainda mais de perto o desmatamento na Amazônia precisarão ser implantados. Depende de ter um ambiente político adequado pra isso, o que hoje não temos."
Na análise do pesquisador, o Brasil deverá ser capaz de cumprir o que promete nesta COP. O "calcanhar de Aquiles" estaria em controlar a poluição gerada pelo setor de energia. A alternativa seria seguir o caminho já iniciado nos leilões de implantação de fontes limpas como a solar e eólica. "Mas, com toda essa vulnerabilidade política, não tem como garantir muito", adiciona Artaxo.
O pesquisador Jacques Markcovitch, ex-reitor da USP, aponta uma outra questão: "É preciso estabelecer métricas para monitorar as emissões provenientes de setores-chave como energia, setores industriais específicos, transporte e gestão de resíduos." Essas medições precisam ser passíveis de verificação e comprovação independentes, destaca, "não cabendo a retórica genérica e vaga".
O reflexo da crise política
Para que os esforços contra as mudanças climáticas em território nacional se convertam em resultados, o país tem que superar a atual crise política, avaliam os especialistas. "As questões ambientais muitas vezes precisam de mudanças estruturais nas leis. Isso hoje está fora da agenda do governo", diz Astrini, do Greenpeace, acrescentando que a única preocupação do governo no momento é sobreviver.
Délcio Rodrigues, do Instituto Vitae Civilis, espera que o país use o tempo até 2020 – ano que o provável acordo global de redução de emissões entra em vigor – para se organizar e cumprir as metas previstas para 2025 e 2030. "Para isto será necessário superar a crise política, enfraquecer o domínio de deputados ruralistas na Câmara Federal, construir um governo que consiga governar e que estabeleça as metas climáticas como uma de suas prioridades."
O discurso do corpo diplomático brasileiro não considera esse cenário interno. José Antônio Carvalho, negociador-chefe na COP 21, diz que o país "não vai aceitar qualquer coisa" e espera que a rodada de Paris não deixe nada pra depois. "O Brasil não aceita que a solução para Paris é apenas chegar a um acordo. O acordo não pode e não deve ser minimalista", disse Carvalho, que é subsecretário-geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia do Itamaraty.
Pela primeira vez na história das COPs, a conferência já começa com um compromisso assumido pelos países, ainda que voluntário. Por enquanto, as metas indicadas ainda são insuficientes para evitar que a temperatura suba mais que 2ºC até o fim do século, como apontou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). A expectativa é que esta COP seja o início de um longo processo de descarbonização da economia global.