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Desenhando o inimaginável

Kyle James (sv)28 de junho de 2005

Distantes dos mundos fantásticos de Mickey Mouse ou Homem Aranha, duas HQs tratam de um horror muito real: o Holocausto. Há vozes questionando se o assunto é apropriado para ser contado em gibis.

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Auschwitz em quadrinhos

Muitos adultos provavelmente se lembram das histórias em quadrinhos coloridas da infância, nas quais os super-heróis, vitoriosos, salvam o mundo da destruição empreendida pelos vilões. Ao abrir uma HQ ou "romance gráfico" que chegou recentemente às livrarias alemãs, a surpresa é grande: o cenário é de horror, com guardas sadistas, câmaras de gás e rostos aterrorizados.

As histórias não se referem a algum planeta distante ou são situadas em tempos remotos, mas contêm uma alusão a um acontecimento do século 20: o Holocausto.

Duas maneiras de tratar do assunto

Auschwitz, desenhada pelo francês Pascal Croci, retrata a vida no campo de concentração, onde estima-se que morreram aproximadamente 1,5 milhão de pessoas, em sua maioria judeus. Croci escolheu contar sua história a partir da perspectiva – que é pura ficção – de um casal oriundo da ex-Iugoslávia, no ano de 1993. Exatamente no momento em que o país era destruído pela guerra civil.

Prestes a serem mortos, por terem sido acusados de traição, e antes que seus algozes cheguem, os dois começam a recapitular o passado em Auschwitz, relembrando a filha que ali perderam. Um assunto que haviam evitado por praticamente meio século.

Ausschwitz als Comic
Auschwitz em quadrinhosFoto: Ehapa Comic Collection

Croci mostra, de forma admirável, um mundo cinza, isento de vegetação e no qual os seres humanos, embora ainda vivos, mais parecem fantasmas ambulantes, com rostos angulares e marcados por olhos profundos e apavorados. As imagens são realistas, mas estilizadas. Um esteticismo tão duro como o fio de uma navalha. Croci mostra, por exemplo, uma câmara de gás repleta de cadáveres e prisioneiros judeus forçados a levar estes corpos até valas coletivas, para serem então incinerados.

Já o segundo volume de quadrinhos lançado no mercado alemão, Yossel, foi desenhado pelo artista norte-americano Joe Kubert, que opta por uma técnica diferente para explicitar o terror daquele momento. Sua história está situada no Gueto de Varsóvia e termina com a revolta corajosa – mas, enfim, vã – dos judeus poloneses. O livro está centrado num garoto de 16 anos, que se muda para o Gueto com sua família e se torna um lutador da resistência contra o horror.

Rompendo com a narrativa tradicional

Enquanto Croci faz uso de uma narrativa tradicional típica dos quadrinhos e opta por estruturas delineadas ao contar sua história, Kubert rompe com tais formas, utilizando esboços feitos a lápis, alguns deles semi-acabados, que, espalhados sobre a página, fornecem imagens entorpecedoras das humilhações diárias sofridas pelos prisioneiros. Os esboços se assemelham, de alguma forma, a retratos falados de uma sessão num tribunal, o que dá ao livro um caráter documental.

Yossel 19. April 1943
'Yossel': HQs da revolta no Gueto de Varsóvia, desenhada por Joe KubertFoto: Ehapa Comic Collection

Os dois trabalhos são, sem dúvida, ficções baseadas na realidade. Croci nasceu muito depois do Holocausto, mais precisamente em 1961, tendo passado cinco anos pesquisando sobre o assunto e conversando com testemunhas oculares do ocorrido. A família de Kubert emigrou da Polônia para os EUA em 1926 e seus trabalhos especulam o que teria sido deles, caso tivessem optado por ficar em sua terra natal.

Meio apropriado?

Enquanto os dois trabalhos tratam do assunto com o devido respeito e gravidade, na Alemanha há vozes questionando se é correto desenhar o Holocausto em forma de gibi. Alguns grupos de representantes judeus expressaram suas preocupações, levantando a suspeita de que o formado HQs poderia reduzir a seriedade do tema. Outros demonstraram o temor de que extremistas de direita pudessem acrescentar o livro a suas coleções.

Yossel 19. April 1943
'Yossel': HQs da revolta no Gueto de Varsóvia, desenhada por Joe KubertFoto: Ehapa Comic Collection

De acordo com Alexandra Germann, responsável pela publicação de romances gráficos da Ehapa – a editora que está por trás dos dois trabalhos – , este formato é o veículo ideal para atingir um grupo de pessoas que talvez não tenha conhecimento algum acerca do Holocausto: "É possível levar o assunto especialmente ao conhecimento de jovens, que nunca tenham se aproximado do passado. E até de adultos, que, por alguma razão, tenham evitado o tema ou necessitem de uma nova forma de abordá-lo".

Germann assinala ainda que os dois trabalhos são fruto de uma intensa pesquisa. Croci passou cinco anos se preparando, entrevistando testemunhas e buscando a aprovação das mesmas, antes de começar a desenhar as cenas mais terríveis como as das câmaras de gás e valas coletivas. Kubert também conversou com sobreviventes e usou fotografias históricas como base para a maioria de suas cenas.

Caminho aberto pelo "camundongo"?

Comic Maus von Art Spiegelman
'Maus', de Art Spiegelman

Desenhar o Holocausto em forma de HQs foi algo impensável durante algumas décadas após a Segunda Guerra Mundial. No início dos anos 90, porém, o artista norte-americano Art Spiegelman abriu um terreno novo e controverso com seu romance gráfico Maus (Camundongo).

Ao recontar a história do Holocausto, Spiegelman coloca os judeus como camundongos, os nazistas como gatos e os poloneses como porcos. Embora premiado e elogiado após a publicação, o trabalho de Spiegelman foi também alvo de críticas por, "literalmente", desumanizar o Holocausto.

Mesmo dentro da comunidade judaica há opiniões em defesa de uma representação gráfica do Holocausto, apontando que esta pode ser eficaz, por atingir de forma mais direta o público num mundo dominado pelas imagens como o nosso.

"Estes livros têm sido capazes de traduzir bem o que aconteceu em forma visual", diz Christian Böhme, subeditor do maior jornal judaico publicado na Alemanha, o Jüdische Allgemeine Zeitung: "Entendo que algumas pessoas demonstrem preocupação, mas, do meu ponto de vista, apesar de serem quadrinhos, o horror real do que aconteceu está ali dentro".