Debate de propostas se perde em meio a ataques e escândalos
25 de setembro de 2014Com as pesquisas de intenção de voto indicando uma disputa acirrada, a campanha eleitoral deve ficar ainda mais agressiva nos próximos dias, à medida que se aproxima o primeiro turno. Esse foco nos ataques pessoais e na tentativa de desconstruir adversários ofusca, porém, o debate construtivo de propostas para solucionar os problemas do país.
Especialistas avaliam que o conteúdo programático foi pouco debatido até aqui e alertam: essa situação não deve mudar – ao contrário, a agressividade vai aumentar ainda mais no segundo turno.
"A campanha tem ficado em acusações. Se discute o medo, a incompetência ou a experiência, mas não os projetos para o Brasil: política econômica, questão trabalhista e previdenciária, a retomada do crescimento, os programas sociais. É um debate cifrado, pobre e incompleto", diz o cientista político Antonio Carlos Mazzeo, da Unesp e da PUC-SP.
"A disputa será mais acirrada, e os ataques vão piorar. Isso é ruim para a democracia e para o eleitor", opina o historiador e sociólogo Marco Antonio Villa.
Um fator até mesmo curioso e que dificulta a possibilidade de debate de propostas entre os candidatos é a falta de programas de governo disponíveis para consulta do eleitor.
Até agora, Marina Silva (PSB) foi a única dos três principais candidatos a apresentar uma versão final do seu programa de governo. Entretanto, enfrentou graves críticas por ter recuado em alguns pontos do documento, como os direitos LGBT e a política energética.
Já Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) entregaram documentos genéricos no início de julho, com a promessa de divulgar a versão detalhada e consolidada até as eleições, o que ainda não ocorreu.
Incerteza e polarização
A campanha, segundo analistas políticos, está particularmente agressiva também em parte devido ao grau de incerteza quanto ao resultado. Quando a situação está mais definida, o candidato líder nas pesquisas costuma evitar o enfrentamento.
"Quem está na frente não perde tempo atacando os adversários, e os outros procuram se posicionar em relação ao resultado. Mas, nessas eleições, todos têm muito a perder, então se arriscam mais", diz o cientista político Fernando Lattman-Weltman, da Uerj.
Outro motivo para o empobrecimento do debate eleitoral, segundo ele, é a polarização da sociedade entre petistas e antipetistas e a decorrente radicalização do discurso. Para ele, há praticamente um enfrentamento de facções. "Desde o mensalão, em 2005, há um clima de radicalização partidária, de troca de ataques. Vai além do embate entre PT e PSDB: é petistas contra antipetistas", diz.
Lattman-Weltman afirma que, nesse ambiente polarizado, os candidatos procuram reafirmar as suas identidades, mais do que debater propostas. Assim, seria fácil diferenciar um do outro. Além disso, é tradição da política brasileira discutir perfis de pessoas, e não plataformas de governo.
"Não parece haver muita dúvida do que seria a continuidade do governo Dilma e o retorno do PSDB ao governo. Por esse aspecto, a Marina é a candidata menos conhecida, até por isso ela foi mais cobrada e lançou o seu programa", diz o especialista.
Programas de governo
Para os especialistas, a demora na apresentação dos programas de governo se deve ao fato de o Brasil não ter uma tradição de formalizar por escrito as ideias dos candidatos.
"São registrados documentos bem genéricos, e as propostas são divulgadas durante a campanha", comenta o cientista político Bruno Speck, da USP. "Não são programas negociados entre os parceiros de coalizão, como ocorre na Alemanha, onde os acordos são firmados antes.”
Entre os estudiosos é unanimidade que os programas deveriam ser apresentados junto com a candidatura. "Isso facilitaria a análise por parte da mídia, dos acadêmicos e dos próprios adversários políticos", defende Speck.
Por outro lado, o impacto do programa de governo nas intenções de voto é considerado pequeno. O eleitor tende a escolher o candidato por causa de uma identificação emocional, e não pelo conteúdo programático.
"O eleitor vota muito mais por certos atalhos cognitivos, por empatia. Esse é um dos motivos pelos quais os candidatos não publicam as propostas, porque sabem que isso não define o voto", explica Lattman-Weltman.
Para Villa, a democracia brasileira é recente e ainda há um processo de aprendizado por parte dos eleitores. Ele defende que o programa de governo deveria ser uma condição para definir a escolha de um candidato. "O eleitor brasileiro não exige programa. Ele vota porque se identifica com o estilo e o jeito do candidato, com base em um relacionamento pessoal. É uma escolha quase pré-política", completa o historiador.
Villa avalia que todas as eleições são focadas em temas centrais, que determinam o voto dos eleitores. "Pode ser ética, moralidade ou desenvolvimento. Desde 1989 é assim. Primeiro foi a caça aos marajás e à corrupção; depois a estabilização do Plano Real, e assim por diante. Uma discussão mais ampla e profunda, nós nunca tivemos."
Temas técnicos
Os especialistas concordam que a maioria dos eleitores não tem tempo ou interesse para analisar com profundidade os programas de governo. Muitos dos temas são vistos como técnicos e passam ao largo da população.
"O Bolsa Família é uma proposta mais assimilável, por exemplo. Só que todos os candidatos defendem a sua manutenção. Por isso, o eleitor acaba não vendo diferença entre os programas", diz Lattman-Weltman.
Além de não influenciar as intenções de voto, o programa de governo gera um compromisso que nem sempre será cumprido em um eventual mandato, aumentando o desgaste político do governante. Assim, segundo analistas, não há incentivo para que os candidatos divulguem suas propostas.
"Todos eles sabem que uma coisa é o que você pretende fazer, e outra é a realidade de governo. A democracia tem inúmeras vantagens, mas governar é difícil, tem que negociar", afirma Lattman-Weltman. Ele lembra que os eleitores desconfiam de promessas, e isso vale também para as que constam dos programas de governo.