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Cuca, Robinho, Daniel Alves e a masculinidade tóxica

Nina Lemos
Nina Lemos
2 de maio de 2023

Futebolistas são um retrato triste e revoltante de como o machismo faz parte da sociedade brasileira e transformaram a masculinidade tóxica no nosso novo produto de exportação.

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Alexi Stival, ex-jogador de futebol e ex-técnico do Corinthians
Cuca pediu demissão do Corinthians na semana passada, após revolta por condenação por ato sexual com menorFoto: Caior Rocha/SPP/IMAGO

Um jogador de futebol é acusado na Suíça por ato sexual com uma menina de 13 anos. O que acontece com ele? Depois de passar um mês preso, o atleta volta ao Brasil e segue sua carreira de sucesso. Sua condenação é deixada de lado e ele continua a vida por mais de 30 anos, fingindo que nada aconteceu. 

Estou falando de Cuca, que virou motivo de escândalo e revolta ao virar técnico do Corinthians e que, depois de muita pressão popular, pediu demissão na semana passada.

Cuca e mais dois jogadores foram condenados em 1989 a 15 meses de prisão por atentado ao pudor com uso de violência, ocorrido dois anos antes. Nada aconteceu. E só depois de mais de 30 anos o técnico está sofrendo consequências pelo seu ato. Isso porque o mundo evoluiu muito e mulheres (e muitos homens também) não estão mais dispostas a "passar pano" para condenados por abuso. 

Mas, apesar de tanta evolução, muitas coisas (e homens) continuam iguais. Uma prova disso é que a defesa de Cuca, que nega as acusações, diz que ele é vítima de um "linchamento por causa de algo que aconteceu há 34 anos". Em sua última declaração sobre o caso, ele disse estar "tentando entender o que estava acontecendo". Ou seja, em todo esse tempo, ele ainda não entendeu que foi condenado por um crime. E que, se alguém é vítima, é a mulher que na época só tinha 13 anos.

Tendência entre jogadores de futebol

Cuca não é o único esportista a viver em negação e espalhando masculinidade tóxica.

Nos últimos anos, jogadores de futebol condenados por violência contra mulher em países da Europa já viraram quase uma tendência.

Em janeiro, Daniel Alves, estrela da seleção brasileira, foi preso na Espanha. Ele teve sua prisão preventiva decretada depois de ser acusado de estupro de uma mulher em uma boate. Em seus depoimentos, o jogador caiu várias vezes em contradição. Em uma frase que dá embrulho no estômago, ele disse, em sua defesa, como se isso provasse que não foi estupro, que "a mulher estava lubrificada". Nojo define.

Enquanto Daniel passas seus dias numa prisão espanhola, outro jogador vive "refugiado" no Brasil e, se pisar na Europa, será preso. Trata-se de Robinho, condenado pela Justiça italiana a nove anos de prisão por participação no estupro coletivo de uma mulher em 2013.

Em mensagens de áudio trocadas com seus cúmplices, Robinho mostrou ter certeza de sua impunidade e não ter nenhuma empatia pela mulher. Segundo detalhes do processo revelados em 2020, o jogador teria dito: "Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu."

Produto de exportação

Cuca, Robinho e Alves não são apenas uma prova de que o futebol é um ambiente machista, mas um retrato triste e revoltante de como o machismo faz parte da sociedade brasileira. No país onde a cada oito minutos um estupro é registrado, muitos homens ainda acham que mulheres são "coisas" que eles usam em festas e que no dia seguinte viram piadas entre amigos, que riem porque "não estão nem aí".

Os jogadores, assim como se diz em épocas de campeonato, representam milhões de brasileiros. Nesse caso, no pior sentido.

A diferença é que esses jogadores com carreira internacional viajam o mundo espalhando a masculinidade tóxica tão comum no Brasil. Em muitos casos, passam impunes. Em outros, encontram um sistema de Justiça que está longe de ser perfeito, mas que entende melhor que o brasileiro que violência contra a mulher não é piada. E também mulheres que conhecem melhor os seus direitos e que não têm medo de denunciar.

No Brasil, muitas ainda se calam, o que dá para entender. Afinal, muitas denúncias não dão em nada, e as vítimas acabam sendo culpadas. Tudo fica mais difícil no caso de homens ricos e famosos.

Precisamos cobrar que abusadores sejam punidos também no Brasil, independentemente de conta bancária ou fama. E, claro, lembrar todos os dias que isso só acontece porque a sociedade brasileira é extremamente machista.

Enquanto isso não mudar, abusadores continuarão livres no Brasil, e jogadores seguirão por aí, espalhando a masculinidade tóxica mundo afora, nosso novo produto de exportação.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.