Profissão ingrata
17 de agosto de 2007Críticos literários desfrutam de uma reputação duvidosa na Alemanha. De um lado, são essenciais para identificar e categorizar os mais importantes entre os cerca de 90 mil livros lançados a cada ano. De outro, são vistos por muitos como sabichões pretensiosos, que destroem escritores por pura vingança pelo simples fato de não terem podido eles mesmos seguir carreira literária.
Trata-se de uma tarefa ingrata, que muitas vezes leva os próprios críticos a questionar o sentido e os fins de sua atividade. Mas é preciso levar em conta que muita coisa mudou no mercado livreiro alemão nos últimos anos: resenhas de livros não são mais exclusividade dos suplementos culturais de jornais ou de programas especilizados na TV, mas também circulam em sites e blogs, escritas de leitor para leitor.
Fim da crítica especializada?
"Na verdade, ninguém quer ser crítico, pois a profissão tem uma má reputação na sociedade. O clichê do crítico literário é o daquele que difama a obra de outrem sem ter nada a oferecer ele próprio. De alguém que vive às custas do esforço de outra pessoa. Isso ninguém quer ser", lamenta o crítico Jörg Magenau, do renomado jornal Süddeutsche Zeitung.
De fato, críticos literários na Alemanha levam fama de ser sabichões mal-humorados, malquistos tanto por editores quanto por leitores. Além disso, o crítico hoje em dia é mais do que nunca ameaçado pelo aparato de marketing das editoras, tendo que ler cada vez mais e cada vez mais rápido para poder acompanhar o crescente ritmo das publicações no país. E, se não pertencer ao seleto grupo de críticos contratados, acima de tudo ainda é mal pago pelo seu trabalho.
Estes são apenas alguns dos motivos pelos quais Sigrid Löffler, grande dama da crítica literária alemã e editora da revista Literaturen, adverte jovens estudantes a pensar duas vezes antes de assumir a profissão.
"Só posso desaconselhá-los a tornar-se críticos literários independentes no mercado de hoje", explica. "Para viver disso, eles têm que escrever muitas críticas e garantir que seus textos sejam suficientemente amplos, pois serão pagos por linha redigida. Ao mesmo tempo, têm que ler cada vez mais rápido para poder produzir mais rápido. Isso tudo é absolutamente calamitoso! E prejudica tanto a qualidade dos textos quanto seu julgamento", alerta.
Festa das letras
Para piorar, as perspectivas não são limitadas apenas para os novatos. Até mesmo uma crítica literária renomada como Elke Heidenreich, apresentadora do programa de literatura Lesen!, até hoje o mais popular da televisão alemã no setor, rejeita a designação de crítica literária.
"De formação, sou crítica literária. Mas meu papel nesse programa não é de crítica, e sim de mediadora literária. Porque, se eu escrever que um livro é muito complicado, mas que, assim mesmo, aprendi isso e aquilo, de que isso adianta? Assim eu nunca vou convencer ninguém a ler coisa alguma", defende.
Mas, se alguém do porte de Elke Heidenreich, que já vem senda tratada por "papisa da literatura" ao lado de Marcel Reich-Ranicki, recusa o termo por ser intelectual demais, o que resta da herança gloriosa de uma nação que já produziu críticos de língua afiada como Kurt Tucholsky, Alfred Polgar ou Alfred Kerr? Pouca coisa, teme o crítico Hubert Winkels.
"Creio que certos parâmetros se perderam. Não só parâmetros artesanais, mas também parâmetros de apreciação, de avaliação do que afinal de contas pode ser literatura. Isso é o que está em jogo", lamenta Winkels.
Para ele, o hype literário generalizado, desencadeado pelo estouro da literatura pop dez anos atrás, ocasionou uma redistribuição dos pesos na crítica literária. Se escritores são tratados como popstars; livros, consumidos como hits numa parada de sucessos, e sessões de leitura, como festas, a crítica é então forçada a reagir com efeitos e sensações mais rápidos, renegando assim exatamente aquela que é tradicionalmente sua função: a análise crítica de livros.
Atmosfera antiintelectual
Estes e outros indícios levam a crer que uma atmosfera antiintelectual esteja se espalhando pelo setor livreiro alemão. Isso se espelharia tanto em julgamentos superlativos, que glorificam ou condenam um livro por completo, quanto na disputa cada vez mais bizarra entre jornais alemães sobre quem resenha antes os lançamentos de destaque, por vezes rápido demais até para que o crítico termine a leitura dos mesmos.
"A tendência é que resenhas de livros tidos como importantes de autores tido como importantes sejam publicadas nos jornais já no dia do lançamento. Isso implica que livros realmente importantes sejam lidos rápida e superficialmente, pois o tempo é curto", critica Löffler.
"É preciso escrever rápido para que no dia do lançamento, digamos, 150 resenhas sejam publicadas ao mesmo tempo. Isso significa que o intercâmbio entre os críticos se interrompe, pois todos entregaram seus pareceres e a discussão acabou."
Hoje em dia, muitos leitores usam críticas literárias apenas como dicas de leitura, seja na televisão ou na internet. Em fóruns de discussão, leitores trocam suas experiências de leitura, enquanto críticos profissionais mais e mais são postos de lado.
Ao passo que seu signficado, na qualidade de quem seleciona os melhores títulos disponíveis, deveria aumentar conforme aumenta o volume de publicações do mercado. Afinal, ninguém mais que os tão menosprezados críticos literários são quem garante que a literatura mantenha seu valor e não seja rebaixada a um bem de consumo qualquer.
"Se ninguém falasse sobre os livros que um autor escreve, isso seria a morte da literatura e também dos escritores", argumenta Magenau. "E, por mais que estes menosprezem os críticos por não escreverem aquilo que desejam ou esperavam escutar, é essencial que haja uma ressonância na literatura. Se não houver, não há literatura."