Crise, guerra e incerteza sobre futuro: cinema jovem em alta na Berlinale
15 de fevereiro de 2013Raúl assumiu a fazenda dos pais e, agora, experimenta a agricultura orgânica. Mas moscas-brancas infestaram a plantação, e a colheita parece arruinada. Ele vive nos arredores de Barcelona. Para o trabalho na lavoura, tem um ajudante, Iurie, um lutador da Moldávia que espera ter sua situação legalizada na Espanha. Às vezes, no caminho para o trabalho, Iurie encontra Maribel, uma mulher em idade avançada e cabelos aloirados, que se prostitui e espera os clientes à beira de uma estrada de terra, sentada numa cadeira de jardim desmontável. Ela precisa ganhar dinheiro para si e para o filho desempregado.
A cuidadora de idosos filipina Rose atravessa os campos todos os dias a pé para chegar ao trabalho, apesar do calor escaldante. Ela acaba de receber um novo paciente para cuidar, Maria, uma agricultora de 88 anos. Ela era vizinha de Raúl, mas teve que ir para um asilo devido a crescentes problemas respiratórios.
Destinos entrelaçados
Cinco pessoas cujos caminhos se cruzam frequentemente. Cinco pessoas cujas histórias se entrelaçam. Cinco pessoas que interpretam si mesmas. La Plaga é um filme com atores amadores que documentam suas próprias vidas, de forma detalhada, cheia de dignidade e obstinação.
Um filme impressionante que só pôde ser produzido porque a diretora Neus Ballús não tinha pressa e, ao longo de dois anos, observou, conheceu e ganhou a confiança de seus protagonistas. Confiança de pessoas cativantes e indomáveis, que são exemplos de uma sociedade onde individualismo, isolamento e o medo do futuro são cada vez mais comuns.
Quando ocorreu isso pela última vez? Quando houve tantas e tão fortes contribuições europeias na seção Fórum? São cerca de 40 filmes no total. Entre eles, muitos não se encaixam nas categorias comuns do cinema. São híbridos, nos quais as fronteiras entre ficção e documentário desaparecem, em que realidade e exagero grotesco se sobrepõem. Como se o cinema tivesse que ser reinventado para poder refletir a realidade cada vez mais complicada e questionar sobre o futuro.
Declínio moral
Atenas, hoje. Uma adolescente de 14 anos, um menino de 8 anos e um armazém cheio de madeira, que não serve para nada mais, porque não há mais encomendas, porque a oficina faliu e seus funcionários se foram. Atenas, hoje. Manifestações, o desemprego e uma menina que perdeu muito mais que o pai devido à crise do euro. Myrto é uma garota séria e de uma fúria crescente no filme I kóri, de Thanos Anastopoulos.
Ela se recusa a aceitar o inevitável. Sequestra o filho do sócio de seu pai, tranca-se com ele entre pilhas e pilhas de madeiras de lei, lê para ele no dicionário o significado de termos como "responsabilidade", "dívida" e "dissolução". E maltrata o menino. No começo, só um pouco. Depois, mais e mais, e de forma cada vez mais sádica. Como se o menino tivesse culpa pelo estado em que o mundo se encontra.
Thanos Anastoupoulos registra o declínio moral da atualidade num filme de imagens acuradas e incorruptíveis. Ele retrata adultos que em algum momento deixaram de agir com responsabilidade. E mostra o que isso tudo causa às crianças. Uma produção profundamente política, um grito.
O atual cinema europeu conta histórias de zonas cinzentas. E, para isso, não precisa de muitas palavras ou de efeitos especiais. Este tipo de cinema confia em seus protagonistas e os coloca em cena de forma tranquila, com tomadas lentas. É um ato de desaceleração que chama a atenção para o particular, tratando, com isso, de temas grandes e universalmente válidos. Como a questão da culpa e da vingança, por exemplo. E da reconciliação.
Krugovi é o nome do emocionante filme do diretor sérvio Srdan Golubovic, que trata de uma forma impressionante a Guerra dos Balcãs e suas consequências, contando uma história verdadeira. Em 1993, durante a guerra, o oficial sérvio Todor atormenta o comerciante muçulmano Harris porque seus cigarros favoritos não fazem mais parte do estoque. Marko, um jovem soldado de licença, envolve-se e a acaba pagando com a própria vida. Doze anos depois, o passado ressurge no caminho de todos os envolvidos.
Logo, um médico amigo de Marko tem que salvar a vida do ex-oficial Todor. E a ex-namorada de Marko aparece na porta do apartamento de Harris, na cidade alemã de Halle, após fugir do marido violento. Harris a ajuda, arriscando a vida, para diminuir uma culpa que só ele sente. E exatamente na mesma hora, agora, 12 anos depois, o pai de Marko pode finalmente colocar sua amargura de lado e mostrar novamente aquele lado humano que também era próprio de seu filho. O filme deixa claro que o tempo cura muitas feridas. Mas deixa cicatrizes.
Autora: Silke Bartlick (md)
Revisão: Rafael Plaisant Roldão