Copa trouxe dinheiro para Natal, mas aplicação é questionada
28 de março de 2014"É a mesma coisa que rasgar o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor", comenta a professora universitária e advogada pública, Marise Costa, sobre o dinheiro aplicado na capital potiguar para as obras de mobilidade. De acordo com Marise – que além de integrar o Comitê Popular da Copa 2014 de Natal é procuradora do município – as obras estão desconectadas com as necessidades da cidade e apenas o eixo aeroporto-arena-hotéis será privilegiado, com o objetivo único de viabilizar o evento, e "o restante da cidade ficou ignorado", completa a advogada. "Não houve planejamento, discussão e razoabilidade no uso desses recursos".
O Estatuto da Cidade – sancionado em 2001 – regulamenta o capítulo "Política Urbana" da Constituição Federal sobre o uso da área urbana em prol do equilíbrio ambiental e do interesse coletivo. Na esteira do Estatuto, em 2007, foi aprovado o Plano Diretor da Cidade do Natal, que prevê, entre outras coisas, a garantia do uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado do território.
A representante do Comitê Popular da Copa em Natal, Rosa Pinheiro de Oliveira, complementa que só ampliar a malha viária não é a melhor alternativa: "As obras de uma forma geral são necessárias, mas vai ser uma melhoria com um curto prazo de validade se não forem tomadas outras medidas, como melhorar a qualidade do transporte público. A quantidade de carros só vai aumentar e sempre vai se exigir uma ampliação de malha", argumenta.
Porém, o descontentamento maior veio antes, em 2011, quando o projeto de melhoramento de corredores viários foi apresentado pela administração da cidade de Natal. Os conselhos municipais foram surpreendidos com a notícia de que 400 casas seriam desapropriadas em prol das obras de mobilidade prometidas pelo município através da Matriz de Responsabilidades da Copa.
Marise explica que a desapropriação é um instrumento jurídico legal que objetiva eliminar uma propriedade particular em função de um interesse público e deve ter o menor impacto possível, tanto social, econômico, como ambiental. "Da forma como um dos projetos de mobilidade foi colocado, porém, isso não estava comprovado, muito pelo contrário. Era um projeto muito caro, feito sem discussão com a sociedade e com um grande número de remoções em áreas onde reside população de baixa renda", argumenta.
O risco das desapropriações culminou com a criação da APAC (Associação Potiguar dos Atingidos pelas obras da Copa) e a mobilização do Comitê Popular da Copa em Natal para evitar as remoções. "Fizemos uma mobilização intensa junto com a OAB e outras organizações de direitos humanos para mostrar que essas ações não tinham nenhum planejamento participativo", conta Rosa.
A mobilização da sociedade somada às turbulências do final do mandato da ex-prefeita de Natal contribuíram para que o Comitê Popular da Copa buscasse apoio com a nova administração. Além disso, seminários e oficinas com especialistas mostravam que havia soluções alternativas de engenharia de trânsito que evitariam as remoções. Depois de muito diálogo com a prefeitura, o projeto foi alterado – e, das 400 desapropriações previstas, apenas 4 foram efetivadas até o momento.
"Copa agilizou obras necessárias há muitos anos"
Em entrevista à DW Brasil, a governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, afirma que a realização da Copa em Natal é sinônimo de geração de emprego, renda e oportunidade de crescimento para uma cidade que tem o turismo como atividade econômica principal.
Quando questionada se os gastos com a Copa não teriam sido melhor aplicados em outras necessidades do estado, Rosalba defende que "a Copa agilizou obras e ações que já eram definidas e necessárias há muitos anos, como, por exemplo, o aeroporto. Quando assumi (em 2011) fazia 14 anos que o projeto (do aeroporto) se arrastava". O aeroporto São Gonçalo do Amarante é o primeiro no país concedido pelo governo federal à iniciativa privada e foi projetado pela concessionária Inframérica para ter uma capacidade inicial de 6,3 milhões de passageiros por ano.
Para a governadora, se Natal não fosse uma cidade-sede da Copa, "não teríamos conseguido recursos federais para reformar 12 hospitais, fazer 100% do saneamento básico de Natal, construir a adutora na capital e a barragem de Oiticica, em Jucurutu", complementa.
População teme novo "Papódromo"
Por meio de parceria público-privada, a Arena das Dunas foi projetada para ser um complexo multiuso que, depois da Copa, além de receber jogos de futebol, será centro de eventos, feiras, shows e exposições. Muitos acreditam, porém, que o destino do Arena das Dunas seja igual ao do Espaço João Paulo II – popularmente chamado de Papódromo – construído em 1991 por ocasião da visita do então Papa.
A obra custou na época o equivalente a 15 milhões de reais e a promessa de que se tornaria um centro cultural e religioso para receber grandes multidões acabou não se tornando realidade. Atualmente, uma parte abriga repartições públicas e a outra está inutilizada.
Rosalba garante, porém, que já existe um planejamento pós-Copa e que a concessionária que administra o local "não vai deixar de jeito nenhum que vire um elefante branco". Desde a inauguração da Arena, em janeiro de 2014, o governo estadual paga 10 milhões de reais ao mês para a construtora. A governadora assegura que o Estado se organizou para honrar o pagamento mensal durante os 20 anos de contrato (com o passar do tempo, o valor vai diminuir).