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Construção de Belo Monte já rende 19 processos na Justiça

Magali Moser18 de setembro de 2013

Nova ação do MP do Pará diz que Norte Energia não cumpriu promessas de antes do início da obra, como compra de terra para indíos. Ativistas renovam críticas, mas, mesmo com acúmulo de processos, construção deve seguir.

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Canteiro de obras da usina Belo MonteFoto: picture-alliance/dpa

A polêmica em torno da hidrelétrica Belo Monte ganhou um novo processo movido Ministério Público Federal (MPF) do Pará. Os procuradores pedem que a Justiça obrigue a Norte Energia, empresa que constrói e opera a usina, a comprar terras para os Juruna, comunidade indígena local. Essa é uma das obrigações previstas desde 2009 no acordo que estabeleceu as condições para que a empresa iniciasse a construção.

Passados quatro anos, a empresa não respeitou o compromisso. A Norte Energia obteve duas licenças ambientais prévias para iniciar as obras da usina desde que cumprisse as exigências do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) e Fundação Nacional do Índio (Funai). Ao todo, o documento obriga a empresa a cumprir 40 condicionantes, ou seja, condições de viabilidade para a obra.

De acordo com o procurador Ubiratan Cazetta, um dos autores da ação, a Norte Energia chegou a fazer levantamentos, identificou a área, mas mudou o discurso nos últimos meses. A empresa alega que cabe à União fazer a aquisição da área. "É mais uma das inúmeras questões de Belo Monte que estão em aberto e foram mal conduzidas", afirmou à DW Brasil.

Para ele, a ação da empresa representa um descaso com as medidas de proteção da comunidade. "Não é aceitável que, depois de tanta experiência ruim que o Brasil acumula na implantação de grandes empreendimentos, repitam-se os mesmos problemas, agora em Belo Monte", analisa.

O MPF no Pará move, ao todo, 19 ações que apontam irregularidades ligadas à construção de Belo Monte. Os processos questionam principalmente o derespeito das regras impostas para o licenciamento ambiental e a violação dos direitos dos indígenas, ribeirinhos e a população local. Questionada pela DW Brasil, a Norte Energia informou que não foi notificada e somente se pronunciará nos autos do processo.

Belo Monte - Staudammprojekt / Brasilien
Comunidades e movimentos indígenas questionam Belo MonteFoto: dapd

Juruna no meio do caminho

Ao todo, dez etnias indígenas são afetadas pela usina de Belo Monte, segundo a Funai. A aldeia Juruna, do quilômetro 17 da rodovia estadual Ernesto Acioli, é só uma delas. Antes de começar a obra, o órgão diz ter constatado que, na beira da estrada, com o intenso tráfego de caminhões, máquinas e operários, a sobrevivência deles como comunidade indígena estaria ameaçada. A solução seria mover a aldeia de lugar.

Cazetta acredita que uma das questões mais importantes no caso é explicar à população porque uma empresa é obrigada a comprar uma área indígena. "Não é uma demarcação. E sim, em decorrência dos impactos que a comunidade vai sofrer em função da obra. O governo federal, através da Funai e do Ibama, entendeu que esta seria a melhor forma de proteção", observa.

O Movimento Xingu Vivo Para Sempre vê violência contra os direitos dos povos indígenas e comunidades locais. "As condicionantes [contrapartidas] que a Norte Energia garantiu para os povos indígenas estão se revertendo em mentiras e enganação", afirma a coordenadora Antonia Melo da Silva. "Nenhum ribeirinho foi ouvido, como também garante a lei. Todos foram compulsoriamente expulsos da beira do rio para bem longe, para dar lugar à Belo Monte. A grande maioria não queria sair de sua terra. Sequer foram respeitados nos seus direitos, como garante a legislação brasileira."

O papel da Funai

Para o Xingu Vivo, a Funai, que seria o órgão responsável por proteger e garantir os direitos desses povos, não faria mais esse papel por ter se transformado apenas num instrumento para legitimar os crimes contra a consciência e a vida dos povos indígenas.

"O governo praticamente destruiu o Ministério do Meio Ambiente, a Funai, o Ibama. Esses órgãos não têm mais nenhuma competência de exercer a sua função e fiscalizar. Esses órgãos hoje são meros figurantes apenas para assinar e legitimar Belo Monte e outros projetos, como Tapajós, que estão empurrando goela abaixo", argumenta Silva.

Maria Janete Albuquerque de Carvalho, da Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai, alega que a ação do MPF do caso Juruna foi baseada em iniciativa da fundação. Segundo ela, a contrapartida está determinada desde 2009. Ela argumenta que, após reiteradas tentativas de se resolver a questão junto à empresa, a Funai informou o Ibama sobre o descumprimento da condicionante e solicitou ao órgão licenciador a sanção necessária pelo desrespeito. Por isso, a ação do Ministério Público teria se baseado também na manifestação da Funai.

"O impacto da construção da usina para a comunidade indígena é inevitável. Dentro do processo de licenciamento ambiental, existem populações muito próximas até do canteiro de obras. Ainda que se existam medidas de mitigação e compensação, algum tipo de impacto vai ocorrer", observa Carvalho, ao reconhecer que os condicionantes não estão sendo cumpridos de maneira adequada.

Segundo informa o site da Norte Energia, entre 2007 e 2010 foram feitas diversas consultas públicas com a comunidade para discutir a construção da usina. A empresa afirma que Belo Monte vai deslocar moradores ligados à agricultura e famílias de Altamira, mas assegura que elas serão indenizadas. No entanto, de acordo com a coordenadora do movimento Xingu Vivo para Sempre, ninguém foi indenizado.

"Os pescadores, que representam a maioria dos moradores locais, perderam a atividade pesqueira, no Xingu. E os peixes sumiram e eles sequer foram indenizados. Não receberam um centavo. Eles estão jogados pelas periferias da cidade", denuncia.

Rio+20 Gipfel in Rio de Janiero
Segundo Funai, dez etnias são afetadas pela usinaFoto: AP

Governo diz que está atento

Em resposta às críticas, o Ministério das Minas e Energia afirmou que as medidas necessárias para a viabilização do projeto, em suas dimensões social, econômica e ambiental, foram adotadas em diversas esferas do governo.

A nota do ministério afirma que "as medidas de mitigação e os programas a serem adotados já se encontram definidos e aprovados, de maneira que a fase atual se concentra na execução de obras, implementação de programas de controle e monitoramento ambiental."

O órgão diz ainda que as autoridades brasileiras estão atentas a todos os aspectos sociais e ambientais envolvidos na construção da usina e têm atuado de forma responsável e efetiva para responder às demandas da sociedade.

Queda de braço

De um lado, o governo afirma que a obra é fundamental para o fornecimento de energia para o país. De outro, ambientalistas, lideranças indígenas e moradores criticam os impactos socioambientais e temem o futuro da região.

Para a procuradora Thais Santi, uma das autoras do processo, o descumprimento em relação às questões indígenas é muito grave. "Estamos no pico da obra, às vésperas da solicitação da licença de operação do empreendimento e as ações não iniciaram", resume. Ela lembra que a Belo Monte teve a sua liberação aprovada com base em contrapartidas sociais (condicionantes) que nem sequer iniciaram. "O que ocorreram foram ações emergenciais, feitas de forma equivocada, com recursos desviados", analisa.

Localizada no rio Xingu, no estado do Pará, a usina de Belo Monte promete produzir energia suficiente para abastecer 40% do consumo residencial de todo o Brasil. É considerada a maior obra de infraestrutura do país. A previsão é que a hidrelétrica fique pronta em 2015.