Comunidade judaica renasce em Cracóvia
27 de janeiro de 2015Os poucos turistas que se aventuraram a visitar o antigo bairro judeu de Cracóvia, Kazimierz, no último domingo (25/01) enfrentaram a lama cinza formada pela chuva e pela neve acumulada nas ruas estreitas. Alguém ainda se deu o trabalho de fazer um pequenino e sorridente boneco de neve perto de uma das sinagogas do bairro.
A poucos passos dali fica o Centro da Comunidade Judaica (CCJ), que anuncia com um grande sinal de neon verde em cima da porta: "Um futuro judeu está em construção em Cracóvia". Dentro do prédio, o cabideiro está lotado de casacos. Um rapaz inclina-se sobre um livro em hebreu, e uma menina serve-se de água num bebedouro praticamente da sua altura.
A moldura da janela do amplo escritório do diretor executivo Jonathan Ornstein foi pintada com o mesmo verde neon do letreiro. O sofá é cor de laranja, e as paredes estão cobertas de vibrantes obras de arte, incluindo uma grande imagem de um semáforo que ele trouxe da sua cidade natal, Nova York. Ornstein diz que o esquema de cores foi definido conscientemente.
"Vigora no mundo judaico a ideia de que a Polônia é cinza, preta e branca", afirma. "Então, ficou claro que tínhamos de ser coloridos, não poderíamos ser nem beges nem cinzas." Verde, para ele, simboliza a vida.
"Eles pensavam que não seria seguro"
Ornstein está à frente da organização desde que ela foi criada, em 2006. Desde então, ele tem tentado reavivar a comunidade judaica em Cracóvia. Estima-se que cerca de um quarto da população da cidade era composta por judeus, até eles serem quase exterminados durante o Holocausto. Calcula-se que metade dos 6 milhões de judeus mortos nos campos de concentração nazistas eram poloneses. Depois, episódios antissemitas na Polônia comunista levaram muitos a emigrar para Israel.
Ornstein consegue entender por que seus amigos judeus achavam que ele era "completamente louco" por querer se mudar para a Polônia após se apaixonar por uma polonesa – um país que muitos ainda associam ao Holocausto, à morte e à destruição. Muitos sobreviventes do Holocausto, seus vizinhos em Nova York, aconselharam-no a não fazer isso. "Eles pensavam que a Polônia não era segura."
Mas Ornstein ignorou os conselhos e hoje dirige uma comunidade que não para de crescer. Sorrindo, ele diz que revitalizar a comunidade judaica em Cracóvia, um lugar tão perto de Auschwitz, é a melhor forma de honrar as vítimas e os sobreviventes do Holocausto. Hoje, o Centro da Comunidade Judaica tem mais de 500 membros, e cerca de cem deles são sobreviventes do Holocausto. O número de integrantes jovens também está crescendo.
"Os membros mais recentes da organização ingressaram há poucos dias", diz Ornstein. Ele acrescenta que o CCJ é um ponto de referência para milhares de pessoas com raízes judaicas em Cracóvia. Muitos dos seus membros não são judeus no sentido estrito da palavra, ou seja, filhos de mães judias.
Ornstein, no entanto, recebe bem a todos, não importando se são judeus no sentido ortodoxo da palavra. "Devemos dar a chance a todos, e é nosso dever oferecer o máximo possível de caminhos para um retorno à vida judaica", diz.
Herança judaica
A estudante de linguística Joanna Broniewska, de 20 anos, entrou há três meses na CCJ. O avô dela era judeu, mas se converteu ao catolicismo quando casou. "Isso provavelmente salvou a vida dele", sussurra Broniewska, em pé, numa das mais velhas sinagogas de Kazimierz, observando uma família de judeus hassídicos, vestidos de negro, fazerem suas preces. "O tio e sua família morreram em Birkenau."
Ela segue a família para o cemitério judeu junto à sinagoga, onde lápides estão cobertas de neve. Ao contrário de muitos jovens que quase acidentalmente descobrem seus antepassados judeus, Broniewska cresceu sabendo que tinha raízes judaicas. Seu avô lhe contava histórias judaicas, e seus pais, apesar de católicos, levavam-na para restaurantes kosher e festivais de música judaica. "Eles eram da opinião de que essa cultura sempre seria parte da nossa família", conta a jovem.
Ela descobriu a CCJ na internet e decidiu entrar na organização. Segundo Broniewska, muitos poloneses que vão aos encontros para estudantes ou aos jantares shabat das sextas-feiras à noite são católicos como ela. Alguns tentaram se integrar à comunidade de judeus ortodoxos, mas foram rejeitados por "não serem judeus o suficiente". Ela questiona a decisão. "Considerando a história da Polônia, acho importante que façamos parte."
Sem clima de medo
É devido a pessoas como Broniewska que Ornstein está tão esperançoso que a Polônia possa reconstruir a sua comunidade judaica. Ele diz que isso é uma mensagem clara para o mundo. "A ideia de um futuro judaico na Polônia, que é marcada pelo Holocausto pela tragédia, é uma mensagem de redenção e esperança."
Ornstein diz que hoje é seguro ser judeu na Polônia, ao contrário de muitos outros países da Europa Ocidental, onde se percebe um crescimento do antissemitismo. "Aqui não existe um clima generalizado de medo de ser judeu."
Broniewska concorda. Ela diz que a sociedade polonesa está ficando mais tolerante. "De certa maneira, estamos crescendo." Ela lembra que, há algum tempo, durante uma de suas aulas, uma colega referiu-se a um personagem judeu de um livro que estavam estudando. "Ela disse algo como: 'Eles deveriam ter se livrado de todos eles durante a guerra'. E começou a sorrir."
Broniewska disse que repreendeu duramente a colega, que então pediu desculpas. A jovem suspira enquanto observa um grupo de turistas indo para um museu da Segunda Guerra. "É tão difícil mudar o jeito que algumas pessoas pensam", diz.