Como é ser pobre na Alemanha
15 de outubro de 2022Gente dormindo na rua, mães que abrem mão de algumas refeições para poder alimentar melhor seus filhos, aposentados que procuram garrafas retornáveis em latas de lixo: embora a Alemanha seja um dos países mais ricos do mundo, 13,8 milhões de seus 83,2 milhões de habitantes sofrem pobreza ou estão ameaçados por ela. Este é o resultado do relatório mais recente sobre o tema da associação nacional de previdência Paritätischer Wohlfahrtsverband.
Em relatório publicado em 2022, o governo alemão também afirma que há uma distância crescente entre ricos e pobres no país. Isso não significa que na Alemanha se tenha que passar fome ou frio, ou morrer doente por não têm acesso a tratamento de saúde.
No ramo das ciências sociais, é feita uma distinção entre pobreza absoluta, em que se é incapaz de satisfazer as necessidades mais básicas, e pobreza relativa, é medida pelas condições médias de vida numa sociedade.
Riqueza distribuída desigualmente
A Alemanha ocupa a 20ª posição no ranking dos países mais ricos do mundo, atualizado pela última vez em 2021. Ele é baseado na prosperidade do país, que pode ser medida pelo chamado Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Para isso, o valor de todos os bens e mercadorias produzidos é dividido pelo número de habitantes. Na Alemanha, isso equivale a pouco mais de 50.700 dólares per capita, de crianças a idosos.
Para comparação: Luxemburgo é o país mais rico do mundo. O pequeno Estado europeu gerou um PIB de cerca de 136.700 dólares per capita em 2021. Os dez países mais pobres do mundo estão na África. Burundi, no último lugar da lista, tem um PIB per capita de 270 dólares.
Pobreza, uma questão de definição
Enquanto nos países mais pobres do mundo muitos vivem na pobreza absoluta, na Europa, em geral se registra pobreza relativa, uma vida com severas limitações materiais. Na maioria das vezes, os afetados só conseguem sobreviver abrindo mão de muitos bens tidos como normais pela maioria da população.
Na UE, é considerado em risco de pobreza ou pobre quem apresenta menos de 60% da renda média do respectivo país. Quem tem rendimento inferior a 50% da média, é considerado muito pobre.
No caso da Alemanha, solteiros que vivem com menos de 1.148 euros líquidos mensais são considerados pobres. Para pais solteiros com uma criança pequena, a quantia é de 1.492 euros, e para casal com dois filhos pequenos, 2.410 euros. Esse valor é considerado após as deduções de impostos e de contribuições para a seguridade social, e acrescentados os benefícios sociais.
Pobre, mesmo com benefícios sociais
A Alemanha se considera um Estado de bem-estar. Quem não consegue encontrar trabalho, não pode trabalhar e não tem renda recebe o benefício social básico, também conhecido coloquialmente como Hartz 4, que garante as despesas de subsistência.
Além disso, são cobertos pelo Estado os custos do aluguel, eletricidade e gás, assim como o plano de saúde. Em 2020, cerca de 5,3 milhões na Alemanha viviam sustentados total ou parcialmente pela verba do Hartz 4.
Quem vive sozinho e pais solteiros recebe 449 euros por mês. Esse dinheiro se destina ao pagamento de alimentação, vestuário e, entre outras coisas, cuidados com o corpo, utensílios domésticos, internet, telefone e eletricidade. Se dois beneficiados são parceiros vivendo no mesmo domicílio, a tarifa é reduzida para 404 euros para cada um. Por cada criança, são pagos entre 285 e 376 euros, dependendo da idade.
De quanto se precisa para viver?
Organizações criticam repetidamente que na Alemanha a segurança básica do seguro social não protege contra a pobreza e não é suficiente para uma "participação real" na vida. O governo alemão quer aumentar o benefício para 502 euros a partir de 2023. De acordo com o cientista social e pesquisador Christoph Butterwegge, mesmo isso não será suficiente: 650 euros seriam necessários para viver "com dignidade" no país: por exemplo, poder comer de forma saudável.
Na verdade, o cálculo do benefício social tem uma margem apertada. São calculados para alimentação cinco euros por pessoa por dia. "Para que isso seja suficiente, as famílias pobres geralmente compram menos alimentos ou alimentos de pior qualidade", constata uma análise publicada pela Fundação Heinrich Böll em 2021. Nesse contexto a fundação, ligada ao Partido Verde, fala "o risco de pobreza alimentar".
Aposentados também sofrem
A situação está se agravando cada vez mais devido à inflação e também afeta quem até agora conseguira sobreviver sem ajuda. Cada vez mais cidadãos são incapazes de arcar com o aumento dos preços do pão, leite, frutas e legumes no supermercado.
Também são afetadas as instituições que fazem arrecadação de alimentos e os distribuem aos necessitados. Em 2020, cerca de 1,1 milhão recorriam aos serviços de distribuição gratuita de alimentos, e agora já totalizam 2 milhões.
A pobreza também é cada vez mais um problema entre os idosos, que reclamam da aposentadoria baixa. As mulheres são mais afetadas do que os homens, porque muitas trabalham meio expediente e têm remuneração menor. Um estudo da Fundação Bertelsmann avalia que cerca de 20% dos aposentados poderão ser afetados pela pobreza na velhice em 2036.
Pobreza oculta
Aposentados cuja aposentadoria é particularmente baixa podem requerer uma ajuda financeira adicional do Estado, assim como aqueles cujo trabalho é mal pago ou que só podem trabalhar meio período porque estão estar cuidando dos filhos. No entanto, muitos evitam recorrer ao Estado e admitir sua necessidade.
Estudos indicam que dois terços de quem teria direito a esse dinheiro adicional renuncia por vergonha. Já os mais velhos preferem tentar trabalhar mais para ter uma renda extra. Ou recolhem garrafas retornáveis das latas de lixo para ter mais alguns euros na carteira.
Pobre, apesar do trabalho
Na Alemanha cresce também o número dos que não conseguem se manter, mesmo tendo um emprego em regime integral. O salário mínimo subiu para 12 euros por hora, mas, com ele, solteiros sem filhos que trabalham 40 horas semanais chegam a um salário líquido de cerca de 1.480 euros. Embora a quantia esteja nominalmente acima da linha da pobreza, ela é praticamente devorada pela inflação.
O problema também afeta estudantes, especialmente se necessitam de BaföG, como é chamado o financiamento estatal para universitários. A quantia máxima mensal do benefício é de 934 euros, que inclui o subsídio para pagar habitação e seguro de saúde, um valor que está bem abaixo da linha de pobreza relativa na Alemanha.
Sem perspectiva de melhora
O governo alemão quer usar 200 bilhões de euros para amortecer as consequências da alta da energia. No entanto, a verba não cobrirá, nem de longe, todos os custos adicionais, e os economistas acreditam que a inflação continuará alta. A vida na Alemanha continuará cara, e isso será sentido principalmente por quem ganha pouco e não dispõe de reservas financeiras.