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ArteGlobal

Como uma banana pode valer 6 milhões de dólares

Tanya Ott
21 de novembro de 2024

Uma peça de arte conceitual - que consiste numa simples banana perecível, colada com fita adesiva a uma parede - foi arrematada em um leilão por valor recorde por um empresário de criptomoedas.

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Banana presa a uma parede branca por uma fita adesiva cinza
"Comedian", de Maurizio Cattelan, se tornou viral em 2019 quando foi exibido pela primeira vez na Art Basel Miami BeachFoto: Sotheby's/dpa/picture alliance

Você compraria uma banana por milhões de dólares?

Foi o que Justin Sun, colecionador chinês e fundador da plataforma de criptomoedas Tron, acabou de fazer. Na quarta-feira (20/11), ele arrematou uma obra de arte do italiano Maurizio Cattelan intitulada "Comedian" ("Comediante"), em um leilão da Sotheby's, por 6,2 milhões de dólares (R$ 35,9 milhões) — excedendo em muito a estimativa inicial máxima da casa de leilões, que previa um valor máximo de 1,5 milhão de dólares.

Não, não se trata de uma banana feita de ouro maciço. A obra conceitual consiste meramente em uma banana comestível comum, fixada numa parede com um pedaço de fita adesiva.

Logo após o leilão, Justin Sun disse que pretendia comer a banana "como parte dessa experiência artística única".

"Ideia conceitual essencial"

Cattelan, um artista conceitual conhecido por seu trabalho satírico e provocativo, causou espanto com a obra na feira de arte Art Basel Miami Beach de 2019. A galeria Perrotin vendeu três edições da Comedian a preços que variaram de 120 mil dólares (R$ 694,8 mil) a 150 mil dólares (R$ 868,5 mil).

Em uma entrevista concedida em 2021 ao The Art Newspaper, Cattelan disse: "Para mim, 'Comedian' não era uma piada; era um comentário sincero e uma reflexão sobre o que valorizamos. Em feiras de arte, velocidade e negócios reinam, então eu vi assim: se eu tivesse que estar em uma feira, eu poderia vender uma banana como outros vendem suas pinturas. Eu poderia jogar dentro do sistema, mas com minhas regras".

Artista Maurizio Cattelan em moletom preto
Cattelan é conhecido por obras provocativas que desafiam o conceito do que a arte pode serFoto: Jonas Ekströmer/TT/IMAGO

A peça foi o assunto no mundo da arte por um tempo e dividiu opiniões: uns elogiaram a abordagem sobre consumismo e a arte em si, outros a taxaram como uma das piores obras daquela edição da feira.

Mas o que o vencedor realmente comprou no leilão? Justin Sun não receberá uma fruta mofada, nem mesmo uma em conserva, mas sim uma banana fresca, um rolo de fita adesiva e instruções detalhadas sobre como exibir a obra -
e substituir a peça de fruta sempre que esta apodreça -, juntamente com um certificado de autenticidade.

Assim como os NFTs, o que você está comprando não é a obra física real criada pelas mãos do artista, mas a ideia da obra de arte — que, afinal, é do que se trata arte conceitual.

"Se, em sua essência, 'Comedian' questiona a própria noção do valor da arte, então colocar a obra em leilão em novembro será a realização final de sua ideia conceitual essencial — o público finalmente terá uma palavra a dizer para decidir seu verdadeiro valor", disse o chefe de arte contemporânea da casa de leilões para as Américas, David Galperin, em um comunicado.

Banana em um novo patamar

Um dos colegas de Cattelan, o artista performático georgiano David Datuna, encontrou valor nutricional na obra: na Art Basel Miami Beach, ele tirou a banana da fita e a comeu, em uma intervenção artística que intitulou "Artista Faminto".

David Datuna fala diante de microfones
O artista performático David Datuna explicando sua "intervenção" com "Comedian" de CattelanFoto: Mary Altaffer/AP Photo/picture alliance

Em uma entrevista em 2019 ao jornal britânico The Guardian após o ato, Datuna criticou a venda da obra por tanto dinheiro, mas disse sobre Cattelan: "Eu acho que ele é um gênio. A arte é sobre comédia, sobre diversão, sobre tragédia, sobre emoções. Ele interpretou isso muito bem. Eu amo a banana de Andy Warhol, mas acho que Cattelan colocou a banana em um patamar diferente."

O artista pop americano Andy Warhol, que tinha formação em publicidade, fez objetos quase fetichistas com itens domésticos comuns, incluindo bananas.

Cópia autografada do álbum "The Velvet Underground & Nico" com a famosa arte de uma banana de Andy Warhol na capa
"Peel slowly and see": uma cópia autografada do álbum "The Velvet Underground & Nico" com a famosa arte de Andy Warhol na capaFoto: Ian Langsdon/dpa/picture alliance

Warhol usou esse motivo para a capa icônica do álbum The Velvet Underground & Nico, criando um adesivo de uma casca de banana amarela que descascava para revelar uma fruta estranhamente rosa por baixo.

Mas, diferentemente da banana de Cattelan, onde o alto preço de venda é determinado por sua escassez, Warhol pretendia que seu trabalho fosse infinitamente reproduzível e adequado para um mercado de massa.

No verdadeiro estilo warholiano, ele nunca registrou direitos autorais sobre a imagem icônica da banana, deixando a porta aberta para outros artistas a usarem.

Um deles é o artista alemão Thomas Baumgärtel, que pintou com spray sua versão da banana de Warhol nas fachadas de mais de 4.000 museus e galerias em todo o mundo desde 1986.

Galeria com um banana pintada na parede da frente
Uma das bananas pintadas com spray de Thomas Baumgärtel em uma galeria de arte em BerlimFoto: Eckelt/Caro/picture alliance

Às vezes, uma banana não é apenas uma banana

A banana tem sido frequentemente usada para efeito simbólico na arte. Sua forma fálica a tornou um ícone da sexualidade masculina — como sugerido pelo trabalho de Warhol — mas também em obras de pintores como Frida Kahlo, enquanto suas origens tropicais a tornam um elemento recorrente do exótico para artistas europeus.

Sequência de fotos, do ombro pra cima, de atriz sem roupa comendo uma banana
Quase 40 anos depois de ter sido criada, "Consumer Art", da artista polonesa Natalia LL, ainda tem o poder de perturbar as pessoasFoto: Carmen Jaspersen/dpa/picture alliance

Ambos os elementos estão em jogo em "Consumer Art", um trabalho em vídeo e foto da década de 1970 da pioneira artista feminista polonesa Natalia LL, que retratou uma modelo comendo lenta e sugestivamente vários alimentos, incluindo uma banana. Esse trabalho é provocativo não apenas por seu elemento sensual — o que levou o Museu Nacional da Polônia a removê-lo de uma exposição em 2019, provocando chacota generalizada — mas também porque, na época em que foi feito, as bananas eram um item de luxo na Polônia, então parte do bloco soviético.

Com as mudanças climáticas e a ameaça de um fungo a algumas plantações de banana, o que tem elevado os preços, é possível que a fruta volte a se tornar um luxo exótico.

E então a banana de 6 milhões de dólares de Maurizio Cattelan pode não parecer mais tão absurda.