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Como os apps de paquera podem favorecer as infecções por HIV

Roberta Jansen
15 de dezembro de 2016

Aplicativos não são responsáveis por alguém transar sem camisinha, mas ajudam a elevar número de parceiros e facilitam sexo casual numa geração menos informada sobre a aids.

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Foto: DW/G. Grün

O crescente uso de aplicativos de paquera, como Tinder e Hornet, vem facilitando o sexo casual e seria um dos fatores comportamentais por trás do aumento do número de jovens gays infectados pelo HIV e também dos casos de sífilis no Brasil. Os aplicativos, claro, não são responsáveis por alguém fazer sexo sem camisinha, mas ajudam a ampliar o número de parceiros sexuais, o que favorece a disseminação de doenças quando não há proteção.

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Os índices de infecção por HIV vêm caindo globalmente na última década. No entanto, entre adolescentes, sobretudo gays, eles crescem em algumas partes do globo, como na Ásia e no Brasil. Dados do Unicef mostram que a taxa de homens de 15 a 19 anos infectados pelo HIV mais que duplicou nos últimos dez anos (de 2,4 casos por cem mil habitantes, em 2006, para 6,9, em 2015). O mesmo ocorreu na faixa de 20 a 24 anos (de 15,9 casos por cem por mil habitantes para 33,1). Em outras faixas etárias, a tendência é de queda.

Vários fatores explicam esse crescimento, como a falta de educação sexual nas escolas, o desconhecimento sobre a aids entre as novas gerações e também o baixo uso de preservativos. Dados do Ministério da Saúde mostram que o uso da camisinha vem diminuindo. No ano passado, por exemplo, 55% da população sexualmente ativa disse não ter usado preservativo em sua última relação. Em 2013, esse percentual era de 45%.

Conservadorismo cresce, e educação sexual vira tabu

"Estamos chamando a atenção para o problema há algum tempo: deixamos de falar com a juventude e precisamos encontrar um meio de falar sobre HIV", afirma a diretora do Programa de Aids da ONU no Brasil (Unaids), Georgiana Braga-Orillard. "Além disso, o Brasil não está investindo em educação sexual, o conservadorismo cresce, o tema é cada vez mais tabu, e fica difícil implementar o pacto social necessário para proteger nossos jovens." Segundo ela, a situação é especialmente difícil para os jovens gays e, mais ainda, para as trans.

O declínio no uso do preservativo é um fator importante por trás da nova epidemia de sífilis, declarada pelo Ministério da Saúde no fim de novembro. Mas um outro problema considerado crucial é a escassez de penicilina, o principal remédio usado no tratamento da doença. Dados recentes mostram que o número de pessoas infectadas pela doença aumentou 32,7% entre 2014 e 2015, chegando a 65.878 casos em 2015. O aumento foi expressivo em todas as faixas etárias.

"Tem havido um descuido maior com relação ao uso do preservativo, há muito temos de volta uma certa censura na divulgação das formas de prevenção do HIV, as campanhas do ministério sofrem perseguição da turma mais conservadora. Tem havido um certo relaxamento em relação ao HIV e, exponencialmente, em relação à sífilis (que é muito mais facilmente transmissível)", explica o infectologista Estevão Portella, da Fiocruz. "Mas a penicilina está em falta no país inteiro, e os métodos alternativos de tratamento não são muito eficazes."

"Minha vida sexual ficou muito mais movimentada"

O uso dos apps de paquera potencializa o problema. Pesquisa do Unicef feita em Belém e São Paulo – duas das seis capitais onde a agência da ONU mantém programas de prevenção voltados para jovens – revela que o uso de aplicativos pode aumentar em até 300% as relações sexuais dos adolescentes. Aqueles que tinham no máximo quatro parceiros em um mês passaram a ter até 15. Outro estudo do Unicef feito no ano passado na Ásia também relacionou o uso de aplicativos ao aumento de infecções nessa faixa etária.

"Antes eu conhecia os caras em boates, mas sou ruim de sedução, então ficava com poucos. Minha vida sexual ficou muito mais movimentada depois dos aplicativos", conta J.C., um publicitário carioca de 23 anos. "Comecei com uma média de um cara por semana e depois foi aumentando." O publicitário conta que nunca deixou de usar preservativos, mas que essa não é necessariamente a regra. Pelo contrário: "Muitos caras só querem transar sem camisinha e deixam isso claro", diz. "Acho muito louco, mas acontece direto."

De acordo com Caio Oliveira, especialista em saúde coletiva e oficial de HIV/Aids do Unicef, há indícios de uma relação entre o uso crescente dos apps de encontros, o aumento do número de parceiros casuais e o crescimento das epidemias. "Mas é preciso ter cuidado ao afirmar isso porque assim tiramos a responsabilidade das pessoas e das instituições", ressalta. "Atribuir a responsabilidade ao aplicativo é leviano, é colocar a discussão num patamar superficial. A resposta à epidemia deve ser construída a várias mãos."

Os aplicativos podem até mesmo ser um aliado. Durante os Jogos Olímpicos do Rio, o Unaids fez uma campanha de prevenção e uso do preservativo no aplicativo gay Hornet. "Os aplicativos são hoje um dos principais meios de encontro dos jovens", constata Braga-Orillard. "Antigamente tínhamos os bares, as boates, que hoje são secundários. Temos que trabalhar com a realidade dos encontros de hoje, como fizemos nos Jogos Olímpicos, mas temos que fazer ainda mais."