Como italianos convivem com a "Fase 2" do combate à pandemia
1 de maio de 2020Uma manhã ensolarada em Roma, com céu azul e um agradável calor primaveril. Contudo a pandemia atravessa a capital italiana como uma sombra. As nobres esculturas parecem abandonadas, as praças e ruas estão desoladas, como num fantasmagórico cenário cinematográfico. As animadas hordas de turistas desapareceram, em seu lugar há policiais em cada esquina, fiscalizando o motivo de se estar na rua.
No domingo 26 de abril, a população aguardava com suspense a coletiva de imprensa do primeiro-ministro Giuseppe Conte, torcendo para que o toque de recolher, em vigor há semanas devido ao novo coronavírus, fosse finalmente encerrado em 4 de maio. Muitos ficaram decepcionados: a proibição de circulação imposta desde 11 de março só será suspensa gradualmente, deixou claro o chefe de governo.
"Nem vejo um futuro negro para nós, nem o vejo com óculos cor-de-rosa. Cinzento talvez fosse a cor certa para descrever nossa situação", comenta o motorista de táxi Claudio. Ele não sabe como pagará suas dívidas do imposto de renda nos próximos meses. Afinal, todo dia tem que esperar horas por um freguês.
"O vírus perdeu o impacto no nosso país, mas mesmo assim pouco falta para a gente morrer de fome. Temos muito medo, porque quando se tem dívidas ou já se pediu financiamento para casa, não se consegue outro empréstimo dos bancos", queixa-se o romano.
"Em vez de ajuda estatal, permissão de sair de casa"
Os primeiros meses de crise foram vencidos, as rigorosas proibições de contato tiveram efeito. Agora o governo da Itália anunciou uma "Fase 2". Ao que tudo indica, antes da vida social a prioridade cabe à economia nacional, que precisa retomar impulso o mais depressa possível.
A partir de 4 de maio, a maior parte da produção deverá ser reativada. Além disso, restaurantes voltam a poder entregar a domicílio e vender refeições para viagem; cafés e cabeleireiros reabrem. Para os locais onde há muito contato interpessoal, o reinício está previsto para 1º de junho.
O premiê Conte agradeceu a seu povo pela paciência demonstrada até então, dizendo-se muito orgulhoso pelo que já se conseguiu: um grande sucesso. No entanto "a próxima fase vai ser ainda mais difícil".
Claudio está frustrado: "muitos italianos se endividaram por causa do fechamento de seus negócios", aponta. O governo oferece uma compensação de 600 euros por mês aos autônomos e empregados em tempo integral, mas a medida não convence o taxista.
"A maioria dos italianos não recebe a indenização desde o mês passado. Se essa ajuda não chegar, como vamos pagar os impostos no mês que vem? Outros países imprimem até cédulas de dinheiro para os seus cidadãos; o que nós ganhamos foi a permissão de sair de casa", comenta, sarcástico.
"Itália está morrendo de fome"
Simona, dona de uma cafeteria no centro de Roma, toca na mesma tecla: "Mesmo que se pagasse essa ajuda durante semanas, não ia bastar." Para ela, o plano é inútil: "Muitas famílias continuam esperando pelos 600 euros prometidos. Como vamos botar comida no prato dos nossos filhos, no longo prazo? Estávamos esperando mais medidas de ajuda do Estado. A Itália está morrendo de fome, literalmente."
Na Fase 2 serão também mantidas as restrições à livre circulação. A partir de maio pode-se sair de casa para compras, o trabalho, cuidados médicos e para visitar parentes ou parceiros, mas continua só sendo permitir deixar a própria região administrativa por motivo pertinente.
A aposentada Irene Farinelli, de 70 anos, é contra o isolamento regional. "Meus filhos e netos vivem em outras regiões, tem dois meses que não vejo mais eles. Muitos estão preocupados que a gente ainda vai ter que ficar trancada em casa por muito tempo. Precisamos sair o mais rápido desta situação."
"Poluição em Roma vai diminuir"
Embora muitas romanas e romanos desejassem um fim abrangente das restrições de viagem, as interdições poderiam ter sido ainda mais rigorosas, pois muitos virologistas e epidemiologistas italianos são a favor de mantê-las o máximo possivel.
Para um dos virologistas mais conceituados do país, Andrea Cristanti, da Universidade de Pádua, por exemplo, as flexibilizações mínimas já foram longe demais: "Quando o país todo foi confinado, em 11 de março, havia 1.800 casos por dia. É o mesmo número que registramos ontem", declarou ao jornal La Repubblica.
O jovem pai Daniele tampouco não está feliz com as novas medidas, afirmando que o problema das escolas foi negligenciado. As fábricas vao reabrir, mas os estabelecimentos de ensino vão permanecer fechados. "Quem vai cuidar das crianças, elas não podem ficar com os avós. Nos deixaram sozinhos."
Os romanos estão céticos, atingidos tanto pelas numerosas restrições devido à covid-19 quanto pelos danos econômicos resultantes. A maior parte não acredita que a Fase 2 vá melhorar sua situação.
Mas há também quem pense positivamente, como um casal de alunos de mestrado. Apesar de preocupados, ambos tentam ver vantagens: "Em muitas profissões, se pode trabalhar de casa, digitalmente. Talvez no futuro essa forma de trabalho vá se impor." Isso traria a vantagem de reduzir o tráfego "e a poluição em Roma ia diminuir". E por trás da máscara de proteção dá para perceber um sorriso.
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