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Como foi a privatização dos correios na Alemanha

19 de setembro de 2019

Venda dos Correios do Brasil à iniciativa privada é prioridade do programa de desestatização de Bolsonaro. Na Alemanha, processo começou na década de 1990, de forma escalonada e sob proteção do governo durante transição.

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Funcionário do Deutsche Post
Processo de privatização dos correios na Alemanha não foi unânime e enfrentou resistência dos sindicatosFoto: picture-alliance/dpa/D. Reinhardt

"Vamos privatizar os Correios", afirmou o presidente Jair Bolsonaro no último dia 6 de agosto, em um evento com empresários em São Paulo. Fundada em 1663, a companhia está no topo da lista de 17 estatais que o governo federal deseja vender à iniciativa privada, o que dependeria de autorização do Congresso Nacional.

Entusiastas da privatização dizem que a quebra do monopólio na entrega de cartas traria melhores serviços e que a empresa seria mais eficiente sob gestão privada. Críticos, por sua vez, argumentam que os Correios cumprem um papel estratégico ao alcançarem todos os municípios do país e já oferecem hoje um serviço adequado.

A Alemanha passou por um debate parecido na década de 1990, quando o então chamado Deutsche Bundespost, ex-estatal do setor de correspondência, começou a ser privatizado, em um processo que levou mais de uma década. A venda foi dividida em fases e acompanhada de uma liberalização regulada do mercado, para garantir que a empresa se tornasse competitiva e que a oferta dos serviços fosse mantida em todo o país.

A empresa alemã, que após o início do processo de privatização passou a se chamar Deutsche Post, herdou a estrutura de uma estatal do setor de correspondência criada em 1871, durante o Império Alemão. Em 1985, tinha 459 mil funcionários, era uma das maiores empregadoras da Alemanha Ocidental, e atuava nos ramos de entrega de cartas e pacotes, serviços financeiros e telefonia.

Nessa época, países europeus estavam discutindo as regras do que viria a ser a União Europeia, estabelecida em 1993. Um dos princípios que norteou a criação do bloco era favorecer a economia de mercado, na qual governos abririam mão de estatais e passariam a atuar como reguladores de empresas privadas em áreas estratégicas, como correspondência e telefonia.

O debate sobre o papel do Estado na economia estava especialmente quente na Alemanha. O país havia se reunificado em 1990 e discutia como nivelar o nível dos serviços oferecidos na Alemanha Oriental, que havia sido governada sob o regime socialista por quatro décadas, ao da Alemanha Ocidental, capitalista. O governo federal era liderado pelo chanceler Helmut Kohl, da CDU, mesmo partido da atual chanceler federal, Angela Merkel.

"A primeira discussão era sobre como melhorar o serviço postal, e a segunda era sobre como fazer a empresa dar lucro. Afinal, por que esse serviço deveria continuar dando prejuízo e ser subsidiado por quem paga impostos, se nem tudo era correspondência social e havia muitas cartas comerciais nele?", afirmou à DW Brasil Thomas Baldry, vice-presidente de relações internacionais do Deutsche Post, funcionário da empresa desde 1995, quando ela ainda era uma estatal.

O governo alemão decidiu, então, que passaria a companhia à iniciativa privada. Primeiro, ela foi divida em três, uma para cada ramo: correios, serviços financeiros e telefonia. Em seguida, foram definidas regras para o setor postal e criada uma agência reguladora para coordenar e supervisionar o mercado e garantir, por exemplo, que todas as cidades seriam atendidas. Por último, decidiu-se o modelo de privatização: em vez de vender toda a companhia de uma vez, em leilão, a opção foi vender a empresa em fases, por meio da abertura de capital.

"Ficou claro que não dava para apenas vender o Deutsche Post para alguém e nem de uma só vez, pois isso era politicamente delicado, e a empresa era muito grande, mas que a melhor opção era abri-la para o mercado de capitais, de forma escalonada", afirma Baldry.

Venda escalonada

Em 1999, o governo vendeu 50% das ações do Deutsche Post para um banco público, o KfW, e no ano seguinte um lote com 29% das ações foi oferecido a investidores, que arrecadou 6,6 bilhões de euros (29,9 bilhões de reais). Até 2005, o governo vendeu todas as suas ações remanescentes ao KfW, que, por sua vez, as ofereceu em fases para investidores no mercado de capitais – o lote mais recente foi vendido em 2012. Hoje, 20,5% das ações da companhia ainda pertencem ao banco.

A quebra do monopólio da empresa sobre o serviço postal também se deu em fases e só foi concluída em 2007, sete anos após o início da abertura de capital. Até julho de 2010, o Deutsche Post também era isento de pagar imposto sobre valor agregado sobre serviços de postagem, benefício encerrado após críticas de concorrentes de outros países e da Comissão Europeia.

Sede do Deutsche Post, em Bonn
O Deutsche Post comprou a empresa norte-americana DHL em 2002, e hoje é uma das maiores companhias de logística do mundoFoto: Deutsche Post AG

Essa transição lenta, que manteve um grau de proteção estatal à companhia, foi importante para que o Deutsche Post harmonizasse os serviços com o leste da Alemanha.

O Deutsche Post comprou a empresa norte-americana de entregas expressas DHL em 2002, e hoje é uma das maiores companhias de logística do mundo, com cerca de 550 mil empregados em mais de 220 países e receita de 61 bilhões de euros (276 bilhões de reais) em 2018.

A empresa, que hoje se chama Deutsche Post DHL Group, é sediada em Bonn, na Alemanha, mas a maior parte das ações pertence a fundos de investimento baseados em outros países.

Críticas dos sindicatos

O processo de privatização dos correios alemães não foi unânime e enfrentou a resistência dos sindicatos, que temiam impacto negativo nas condições de trabalho. Um dos sindicatos de trabalhadores da companhia, o DPVKOM, afirmou em nota à DW Brasil que defendeu à época que a empresa continuasse pública, mas eficiente e economicamente viável.

Segundo o DPVKOM, que ajudou a organizar uma greve contra a privatização em 1995, a transformação dos correios em uma empresa privada piorou as condições de trabalho, com aumento da carga horária, uso de contratos de trabalho de tempo parcial e salários diferentes para funcionários que desempenham a mesma função.

No Brasil, o sindicato dos funcionários dos Correios também é contra a privatização da estatal, e colocou o tema como um dos motivos da greve iniciada no dia 10 de setembro e suspensa nesta terça-feira (17/09).

Da mesma forma, a população brasileira é majoritariamente contra a privatização de estatais. Segundo pesquisa Datafolha realizada em 29 e 20 de agosto, 67% são contra a venda dessas empresas no geral, e 25% apoiam. Entre as estatais pesquisadas, os Correios são a que tem maior apoio à privatização: 60% são contra, e 33%, a favor. A venda dos Correios divide inclusive aqueles que votaram em Bolsonaro no segundo turno: 47% são contra a privatização, e 46%, a favor.

A situação dos Correios no Brasil

A venda dos Correios à iniciativa privada começou a ser discutida em 2017, na gestão Michel Temer. em meio à uma transformação do setor, com redução do número de cartas enviadas, mercado no qual a empresa detém monopólio, e alta na entrega de pacotes, aberta à livre concorrência.

Também compõem o cenário seguidosescândalos de corrupção e mau gerenciamento na companhia e no fundo de pensão de seus funcionários. A estatal teve resultado negativo de R$ 2,1 bilhões em 2015 e R$ 1,5 bilhão em 2016, e voltou a ter lucro nos dois anos seguintes, de R$ 667 milhões em 2017 e R$ 161 milhões em 2018.

Nos últimos anos, vem passando por um processo de enxugamento, que inclui o fechamento de agências e a redução do número de funcionários em 13% desde 2014 – hoje são 109 mil.

A eventual transferência da estatal a investidores privados poderia seguir dois modelos: o leilão para quem pagar o maior valor, como foi feito na venda da Telebras em 1998, ou a abertura de capital, com venda de ações em bolsa de valores – nesse caso, o governo passaria o controle dos Correios à iniciativa privada se vendesse a maior parte das ações.

Seja qual for o processo, ele deve ser acompanhado de ajustes regulatórios, para quebrar o monopólio do serviço postal e definir parâmetros para que municípios não lucrativos continuem a ser atendidos.

No momento, o governo federal está discutindo os termos do decreto que daria início ao processo de privatização. A fase seguinte é contratar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que elabore estudos e sugira um modelo para a venda dos Correios, segundo informa em nota à DW Brasil a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Casa Civil. Definido o modelo, é solicitada autorização do Congresso, em um processo sem prazo para ser concluído.

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