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Como EUA e Europa protegem seus informantes

28 de outubro de 2019

Figura do "whistleblower", que está por trás do processo de impeachment de Trump, ganha nova proteção na UE. No Brasil, tal colaborador carece de garantias. Pacote anticrime de Moro inclui proposta sobre o tema.

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Por falta de garantias, Antoine Deltour, informante do caso LuxLeaks, chegou a ser condenado em primeira instância à prisão
Por falta de garantias, Antoine Deltour, informante do caso LuxLeaks, chegou a ser condenado à prisãoFoto: picture-alliance/dpa/J. Warnan

Corrupção e crimes financeiros têm potencial para causar grande prejuízo aos cofres públicos, mas são difíceis de serem identificados sem que alguém com conhecimento do esquema informe as autoridades. Por isso, diversos países criam incentivos para estimular o colaborador, que pode estar envolvido no ato ilícito – o delator –, ou não cometeu crimes mas teve acesso a informações e decide repassá-las – o informante.

A figura do delator se tornou bem conhecida no Brasil a partir da Operação Lava Jato, na qual doleiros, executivos de empreiteiras e políticos resolveram contar o que sabiam para diminuir seu tempo de prisão e multas. Já a figura do informante em casos de corrupção ainda não tem papel de destaque no país, e faltam garantias e estímulos para que pessoas com acesso a informações sobre malfeitos colaborem com as autoridades.

Nos Estados Unidos e na Europa, o informante é conhecido como "whistleblower" (ou assoprador de apito, aquele que chama a atenção para algo). O processo de impeachment contra o presidente americano, Donald Trump, sob análise da Câmara dos Deputados, foi deflagrado em setembro a partir de um informante do próprio governo que, protegido pela lei, repassou informações a senadores.

A União Europeia, por sua vez, adotou no início de outubro uma diretriz estabelecendo alto nível de proteção a quem relatar violações a normas do bloco, em órgãos públicos ou empresas privadas. A nova regra garante o sigilo e proíbe que o informante seja retaliado de qualquer forma.

No Brasil, um dos itens do pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, estabelece a figura do "denunciante de bem": o informante que auxilia as autoridades a esclarecer um crime. O texto protege a identidade do colaborador, pune quem o retaliar e prevê o pagamento de recompensa de até 5% do valor arrecadado caso a informação leve à recuperação de produto de crime contra o poder público. O projeto está sob análise da Câmara, atualmente com pouca chance de aprovação.

O informante no processo de impeachment de Trump

O inquérito de impeachment contra o presidente dos Estados Unidos tem como base um telefonema entre ele e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, realizado em 25 de julho. Na conversa, Trump trata de uma ajuda financeira ao país e pressiona o ucraniano a colaborar em uma investigação contra Hunter Biden, filho de Joe Biden, vice-presidente na gestão Barack Obama e atual pré-candidato democrata à Casa Branca.

Nos Estados Unidos, todos os telefonemas do presidente com outros chefes de Estado e de governo são gravados e transcritos, e ficam em sigilo por no máximo 12 anos.

Um membro de um órgão de inteligência do país, que teve acesso à conversa, avaliou que Trump poderia ter cometido um ilícito ao pressionar Zelensky a investigar um adversário político, e relatou o caso a comitês do Senado, sob proteção da lei de informantes. Depois, outros informantes levaram novos detalhes da conversa de Trump aos parlamentares.

A lei de proteção ao informante nos Estados Unidos é de 1989, e vale para órgãos públicos ou entes privados. Em alguns casos, há incentivos financeiros para estimular a colaboração com autoridades.

A Comissão de Títulos e Câmbio (SEC, na sigla em inglês), agência que regula o mercado de capitais americano, equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil, repassa aos informantes de 10% a 30% do arrecadado com penalidades cobradas em função de suas denúncias.

Em maio de 2019, a SEC pagou a um cirurgião brasileiro 4,5 milhões de dólares por ter levado ao órgão informações sobre uma empresa, listada em bolsa nos Estados Unidos, que estava subornando médicos no Brasil em troca de contratos para fornecer equipamentos ortopédicos. O Wall Street Journal disse que a empresa, Zimmer Biomet, foi multada em 30 milhões de dólares – 15% dos quais foram para o informante brasileiro.

A adoção de novas regras na União Europeia

Desde 7 de outubro, o bloco tem uma nova diretriz sobre a proteção a quem relata violações a normas da União Europeia, e deu dois anos para os Estados-membros implementarem os dispositivos em suas leis nacionais.

A diretriz abrange os setores públicos e privados, estabelece protocolos para proteger o informante, proíbe qualquer forma de retaliação e pune quem tentar bloquear os informantes. Também determina a criação de canais para receber denúncias em qualquer municipalidade com mais de 10 mil moradores e em empresas com mais de 50 funcionários.

Atualmente, apenas dez países do bloco têm normas amplas sobre o tema. Nos demais, a proteção só vale para determinados setores e crimes específicos ou é restrita a funcionários públicos.

Um estudo publicado em 2017 pela Comissão Europeia, braço executivo do bloco comunitário, estimou que a falta de proteção a informantes causava prejuízos em compras públicas estimado em 5,8 a 9,6 milhões de euros por ano.

Sem garantias legais, informantes se sujeitam a riscos como os de serem demitidos, processados, presos ou de sofrerem violência.

Um caso célebre é o do francês Antoine Deltour, ex-funcionário da consultoria PwC, que revelou documentos mostrando como a empresa estabeleceu, em conjunto com o governo de Luxemburgo, esquemas para mais de 300 companhias multinacionais pagarem menos impostos em outros países.

Apesar de ter ganho um prêmio do Parlamento Europeu em 2015 pelas sua revelações, Deltour foi condenado em 2017 em primeira instância pela Justiça de Luxemburgo à pena de um ano de prisão e multa de 1,5 mil euros. Em janeiro de 2018, porém, a Corte Suprema de Luxemburgo reviu a condenação de Deltour e reconheceu seu status de informante.

A tentantiva de aumentar a proteção ao informante no Brasil

O Brasil é signatário de dois tratados internacionais – a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e a Convenção Interamericana Contra a Corrupção – que sugerem a adoção de sistemas de proteção e incentivo ao informante. Apesar de as normas nacionais terem avançado nos últimos anos, o grau de proteção ainda não se equipara ao dos Estados Unidos ou da União Europeia.

Em 2015, um decreto que regulamentou a Lei Anticorrupção estabeleceu que a existência de canais de denúncia e mecanismos de proteção a informantes em empresas privadas seria um dos critérios para reduzir multas em caso de malfeitos, o que estimulou diversas companhias a adotarem essa estrutura.

No ano seguinte, a Lei das Estatais determinou que as empresas públicas também deveriam ter canais de denúncia sobre violações de regras internas e proteger seus informantes.

Em 2018, uma lei obrigou empresas de transporte terrestre que operam sob concessão pública a criarem esses canais, e também autorizou estados e municípios a estabelecerem serviços de recebimento de denúncia com pagamento de recompensa. Essa lei, contudo, ainda não foi regulamentada.

"No Brasil ainda não há uma lei que disponha sobre programas de 'whistleblowing', como há em outros países e nos termos das recomendações e diretrizes internacionais. O caminho para uma previsão legal suficiente, adequada e segura sobre esse tema ainda é longo", afirma à DW Brasil a advogada Luiza Farias Martins, do escritório Alexandre Wunderlich Advogados e especialista no tema. 

A proposta do "denunciante de bem" no pacote anticrime de Moro, segundo ela, é uma "tentativa falha" de implementar a figura do "whistleblower" no Brasil, pois flexibiliza as garantias para proteger o informante e tem pontos não esclarecidos que dependeriam de regulamentação.

Outro ponto controverso é o pagamento de recompensas financeiras proporcionais ao valor da multa ou do montante recuperado pelo poder público, comum nos Estados Unidos, mas ausente da diretiva da União Europeia.

"Existe o receio de que se crie um mercado com esta prática de compensação financeira por denúncias, e de que, com isso, os ambientes (públicos ou privados) se tornem espaços de excessiva e mútua vigilância", diz Martins.

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