Como a propaganda russa domina as mídias sociais chinesas
8 de abril de 2022Bem que a China tem tentado se posicionar como neutra em meio à invasão russa à Ucrânia. Mas as mensagens dominantes na internet do país retratam uma realidade diferente.
Uma vez que a Rússia continua divulgando suas informações sobre a guerra através de diferentes canais, um grupo de monitoramento cibernético em Taiwan descobriu que a propaganda pró-Kremlin também tem se espalhado rapidamente nas mídias sociais chinesas.
Conforme um relatório divulgado pelo DoubleThink Lab, com sede em Taiwan, a estreita relação entre as mídias estatais da Rússia e da China tem ajudado a ampliar a propaganda russa em plataformas de mídias sociais chinesas como a Weibo. Analistas acreditam que isso faz parte dos esforços de Pequim para incentivar a solidariedade entre China e Rússia, uma vez que ambos querem se enxergar como países que lidam com "forças estrangeiras interferindo em seus assuntos internos" e um "nazismo financiado pelo exterior".
A parceria da China com a Rússia "não tem limites"
A Rússia tem constantemente instrumentalizado uma suposta ameaça representada pela expansão da Otan e a presença de alguns grupos neonazistas na Ucrânia como pretextos para justificar a invasão. A China insiste que permanece neutra no conflito, ainda que Pequim não tenha criticado abertamente as ações russas em território ucraniano. Segundo o presidente chinês, Xi Jinping, a parceria da China com a Rússia "não tem limites", o que levantou ceticismo de países democráticos sobre a real postura de Pequim em relação à agressão militar de Moscou.
Jerry Yu, analista da Doublethink Lab, afirma que desde o início da invasão, em 24 de fevereiro, a mídia estatal chinesa e contas influentes na Weibo têm difundido propaganda russa a respeito da Ucrânia, tentando traçar paralelos entre o suposto combate ao "nazismo ucraniano" com a repressão chinesa contra as manifestações pró-democracia de 2019 em Hong Kong.
"A mídia estatal chinesa (Global Times/CGTN etc.) pegou o raciocínio de Putin, contrário à expansão da Otan, em meio ao início das hostilidades e, mais tarde, passou a concentrar-se também no ângulo da "desnazificaçã"o, citando discursos e declarações oficiais do governo russo", escreveu Yu, no relatório.
Alguns especialistas veem os esforços como benéficos em termos estratégicos para o Partido Comunista Chinês (PCC). "Claramente, há pelo menos algumas partes do aparato do partido que decidiram que estrategicamente é benéfico para o PCC, se não para a China, apoiar a invasão da Rússia e as narrativas sobre o que está ocorrendo na Ucrânia", afirma Sarah Cook, diretora de pesquisa sobre China, Hong Kong e Taiwan da Freedom House.
"Uma vez tomada essa decisão, a propaganda e o aparato de controle de informações avançaram nessa direção, seja em termos de cobertura da mídia estatal, diretrizes de mídia ou plataformas online, sobre o que o conteúdo é permitido e até mesmo deve ser ampliado, ou então censura de visões e fontes de informações alternativas", acrescenta Cook.
Outros pesquisadores creem que os esforços de propaganda caracterizam também uma tentativa de despertar sentimentos nacionalistas e antiocidentais na China. "Tenho visto muita retórica pró-Rússia que também está muito ligada e ofuscada pelo sentimento antiocidental de questionar a legitimidade dos Estados Unidos, do Ocidente e da Otan", destaca Maria Repnikova, professora assistente em comunicação global na Universidade do Estado da Georgia, nos Estados Unidos.
Como a propaganda russa prolifera nas mídias sociais chinesas?
O relatório da Doublethink Lab aponta que o público chinês não estava familiarizado com o discurso russo a respeito dos "nazistas ucranianos" até o início da guerra.
Dias antes da invasão, autoridades chinesas emitiram uma diretiva pedindo aos meios de comunicação nacionais que publicassem apenas o conteúdo dos veículos oficiais, como o Diário do Povo, a agência de notícias Xinhua e o canal de televisão China Central. Todos assinaram acordos de cooperação com a mídia estatal russa em 2015.
Logo após a invasão, no dia 24 de fevereiro, os meios de comunicação estatais da China passaram a divulgar conteúdos que propagandeavam o discurso da mídia russa de que o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, havia deixado Kiev, e que soldados ucranianos haviam se rendido. Outros conteúdos citaram a alegação das autoridades russas de que o governo ucraniano seria uma administração liderada por "nazistas".
Ligando a Ucrânia e o movimento pró-democracia de Hong Kong
O relatório também destaca que, no terceiro dia de guerra, contas influentes da plataforma de mídia social chinesa Weibo começaram a reciclar notícias falsas de 2019. Essas contas afirmavam que o governo americano havia financiado membros do batalhão ucraniano de extrema-direita Azov, e que depois o dinheiro foi utilizado para alimentar os protestos pró-democracia de 2019, em Hong Kong.
"Essa tática ligou exitosamente, no discurso online chinês, a propganda sobre 'nazismo' e a posição chinesa sobre supostas forças estrangeiras que estariam interferindo nos assuntos internos da China, influenciando a opinião pública a apoiar a invasão russa na Ucrânia", escreveu Yu, no relatório.
O relatório da Doublethink identificou, sobretudo, contas de mídia social do estado russo em idioma chinês, a mídia doméstica chinesa, contas influentes da Weibo e contas chinesas baseadas em plataformas de mídia ocidentais como parte do contingente de influenciadores que difundem a propaganda russa no mundo em língua chinesa.
"Já que várias plataformas de mídia e de internet proíbem canais oficiais e de propaganda russos, o impacto das discussões na Weibo, na ampla diáspora de língua chinesa, não deve ser subestimado. A retórica chinesa continua a difundir a propaganda política russa através de Weibo, Douyin, YouTube e outras plataformas, criando uma imagem negativa da Ucrânia entre os usuários chineses", destacou o relatório.
No dia 24 de março, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, refutou a afirmação do secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, de que a China está divulgando mentiras e desinformação sobre a guerra na Ucrânia: "Acusar a China de espalhar desinformação relacionada à Ucrânia é, em si, desinformação", disse Wenbin, durante uma entrevista coletiva de imprensa.
Rebater a propaganda russa nas mídias sociais chinesas
Ainda que a propaganda russa tenha dominado as informações sobre a guerra na Ucrânia nas mídias sociais chinesas, há esforços individuais para rebater essa prática. Wang Jixian, um programador chinês que vive em Odessa, no sul da Ucrânia, tem diariamente publicado vídeos em várias plataformas de mídia social, como YouTube, WeChat e Douyin – a versão chinesa do TikTok –, exibindo informações em primeira mão, na Ucrânia, para o público de língua chinesa.
No entanto, suas contas nas mídias sociais chinesas acabaram banidas no mês passado. Em um vídeo publicado no dia 18 de março, Wang disse: "Minha voz é tão assustadora para vocês? Se não, por que todas as minhas contas seriam canceladas às 15h? A única maneira de meus pais entrarem em contato comigo foi cancelada. Por que vocês não podem tolerar um de seus cidadãos? Eu sou apenas um programador, não alguém que luta na guerra".
Wang disse à DW que começou a gravar esses vídeos porque acredita que muitos dos atos de heroísmo do povo ucraniano na guerra têm sido ofuscados. "Acho que o mundo precisa ver esses atos heróicos, mas, quando busco informações sobre a guerra na Ucrânia na internet chinesa, a maioria do conteúdo retrata o povo ucraniano como terroristas", afirmou, em entrevista por telefone.
"Acho injusto que meus amigos e vizinhos ucranianos sejam estigmatizados. Também quero encorajar os chineses a recuperar sua capacidade de pensar criticamente. Espero que o povo chinês possa receber informações a partir de mais perspectivas e fazer seus próprios julgamentos sobre a guerra", acrescentou.
Além disso, um proeminente acadêmico de Xangai também publicou um artigo no qual sugeria que a China deveria cortar os laços com a Rússia devido à guerra na Ucrânia. O texto foi publicado pelo Observador de Percepção EUA-China do Centro Carter. Horas depois, o site foi bloqueado na China.
Quão eficazes são os esforços de propaganda da China?
A professora Repnikova disse à DW que, embora existam algumas mensagens críticas e esforços de verificação de fatos na mídia social chinesa para combater a retórica dominante antiocidental, essas mensagens são rapidamente censuradas.
"As vozes mais fortes tendem a ser nacionalistas e antiocidentais, o que se alinha com as declarações pró-Rússia. Outras vozes que tentaram desafiar [a vigilância chinesa] foram rapidamente censuradas", disse.
Sarah Cook, da Freedom House, reitera que amordaçar as vozes dissidentes é igualmente essencial para que a propaganda seja eficaz.
"Se as vozes dentro da China, incluindo alguns intelectuais proeminentes ou conteúdo apreciado por um chinês residente na Ucrânia, não estivessem sendo restringidas, a propaganda seria muito menos eficiente", destaca Cook à DW.
Embora a China assuma oficialmente uma posição neutra, suas manobras online sugerem algo bem diferente em relação à invasão russa na Ucrânia.