Como a China quer se tornar um dos gigantes do futebol
5 de novembro de 2022"Eu chamo de futebol de robô", diz Lars Isecke, ao descrever o que vê com frequência nos treinamentos de jovens futebolistas chineses. Os técnicos trabalham vários exercícios de repetição. "Dois jogadores frente a frente passam a bola um para o outro, sem mudar de posição."
Isecke, um treinador alemão de futebol, trabalhou por muitos anos nas divisões de jovens atletas e no desenvolvimento de técnicos na Associação Alemã de Futebol (DFB). Recentemente, ele foi o diretor do nível mais alto da educação de treinadores na Associação Chinesa de Futebol (CFA).
"Não me surpreende que existam jogadores na seleção nacional que consigam apenas passar a bola de maneira unidimensional, sem o conhecimento de seus colegas de equipe ou percepção de espaço, tempo e de direcionamento para passar a bola."
Mesmo assim, a China tem grandes planos, não apenas em ternos econômicos e geopolíticos, mas também futebolísticos. Desde 2015, o país realiza um programa nacional de futebol. Com o incentivo pessoal do presidente Xi Jinping, as ambições da China no esporte chegaram a ser formuladas como uma das metas oficiais do governo.
Trata-se de um dos objetivos mais ambiciosos do país: até 2030, a seleção masculina chinesa deve estar entre as melhores da Ásia e, até 2050, entre as melhores do mundo.
Sem competitividade em nível global
Dentro das condições atuais, a China ainda terá um longo caminho até atingir essas metas. O país ocupa a 79ª posição no ranking da Fifa, e participou apenas de uma Copa do Mundo (2002). Neste ano, os chineses não conseguiram se classificar para o Mundial do Catar.
Isecke ouve com frequência a teoria que com uma população de mais de 1,3 bilhão de pessoas, deve ser possível encontrar 11 jogadores talentosos para formar um bom time. Mas, isso não é tão fácil quanto pode parecer.
Há dinheiro e infraestruturas suficientes, mas não existem milhões de jogadores em atividade na China, nem mesmo centenas de milhares. Ao contrário, o número de futebolistas se limita a alguns poucos milhares. Isecke menciona algumas razões culturais e sociais para explicar o baixo número de atletas.
"O sistema escolar não possibilita liberdade suficiente para a educação física criativa. Os horários escolares tomam boa parte da manhã e tarde. Isso, em combinação com horas de lição de casa, evita que os jovens possam jogar futebol." Segundo o treinador alemão, grupos de amigos ou vizinhos que pegam uma bola para jogar durante a tarde ou nos fins de semana é algo que simplesmente não acontece.
Sistema de educação elitista
A sinologista, linguista e acadêmica Hangkun Strian, que trabalha como escritora, tradutora e palestrante em Berlim, concorda com a avaliação de Isecke.
"A vida cotidiana é muito estressante para as crianças chinesas, em razão do sistema elitista de educação", afirmou à DW. "A única maneira de ter uma chance contra a competição social é obter boas notas na escola e estudar em uma universidade de elite."
Dessa forma, os pais preferem investir a maior parte do tempo e dinheiro no desempenho escolar das crianças – por exemplo, em aulas de reforço após o horário escolar – ao invés de incentivar seus interesses e hobbies, como o futebol.
A política chinesa de um só filho por família, relaxada em 2015, também tem influência nisso. "Pais e avós tendem a superproteger as crianças", diz a especialista.
"A prática de esportes é considerada um trabalho físico de alta intensidade, segundo as antigas tradições chinesas. Os esportes populares na China costumam ser os mais calmos e harmoniosos, como tênis de mesa ou badminton."
O medo de errar
Isecke ressalta outra consequência da política de um só filho nos campos de futebol. "Os chineses não têm bom desempenho nos esporte de equipe, porque não aprenderam a jogar em equipe", observou. A estrutura familiar na qual ambos os pais – e em muitos casos, os quatro avós – se concentram somente em uma criança, acaba encorajando comportamentos egocêntricos.
Há ainda outro fenômeno cultural que, com frequência, impede o jogo mais fluido nos campos de futebol.
"Existe um grande medo de perder a credibilidade e o respeito na Ásia", diz Isecke. "Se eu cometo um erro, perco o respeito do público. Então, é melhor não fazer nada do que fazer algo de errado."
Essa mentalidade traz consequências bizarras no campo, afirma o treinador alemão. "Os jogadores não querem a bola – sejam os homens, mulheres, jovens ou adultos. Tão logo haja estrangeiros na equipe, eles passam a bola para eles e tentam não recebê-la de volta."
Jogadores no exterior são raros
Segundo o portal alemão de internet Transfermarkt, poucos atletas chineses jogam em outros países. Destes, 17 estão na Espanha, ainda que nenhum deles jogue na primeira divisão do futebol espanhol.
Outros 12 estão em Portugal, quatro deles no Oriental Dragon FC. Um número bem reduzido, considerando que o clube da terceira divisão portuguesa foi fundado em 2014 especificamente com o objetivo de treinar e apoiar jogadores chineses sob orientação de portugueses.
Na Alemanha, há registro de dez jogadores chineses, mas nenhum deles joga nas três principais divisões profissionais. Entre estes, Wang Bowen e Li Xiancheng jogam na equipe B do Werder Bremen, na quarta divisão, mas nenhum deles é titular.
Falhas de planejamento
Por outro lado, a federação chinesa e os clubes da Super Liga gostam de contratar técnicos estrangeiros, cuja expertise, espera-se, ajude a desenvolver o futebol chinês. Mas, apesar da disposição da associação e dos clubes de pagar altas somas de dinheiro pela competência estrangeira, esse potencial não é totalmente explorado.
Os especialistas estrangeiros estão muito raramente envolvidos nos planejamentos que normalmente são aprovados pela CFA, a administração estatal dos esportes e o Ministério da Educação.
Como resultado, é normal que os números previstos nesses planejamentos – por exemplo, para a capacitação de treinadores – não sejam compatíveis com a quantidade de candidatos aptos a obter uma licença de técnico profissional.
Ajuda de ex-jogadores
Isecke, porém, tem esperanças de que as coisas mudem no futebol chinês. A federação chinesa começou a promover um grupo de ex-jogadores da seleção do país com o objetivo de profissionalizá-los como treinadores em 2023.
Entre estes está Shaw Jiyai, um ex-profissional da Bundesliga (campeonato alemão) e Zheng Chi, que por muitos anos foi o capitão da seleção, tendo jogado em equipes da Inglaterra e Escócia.
Em longo prazo, os dois ex-atletas poderão ajudar a implementar as mudanças necessárias para deixar o futebol chinês competitivo internacionalmente, embora haja ainda um longo caminho pela frente até ser possível satisfazer as ambições do presidente Xi Jinping.