Cinema além do cartão postal
16 de abril de 2004O jovem curdo Baran (Cagdas Bozkurt) vive em um bairro central de Hamburgo, onde também trabalha como office boy de uma lanchonete. Sob ameaça de ser deportado quando competar 16 anos, por ter tido seu pedido de asilo político negado pelas autoridades locais, Baran mergulha pouco antes disso na ilegalidade. Nesse submundo, encontra certo dia Chernor (Leroy Delmar), um africano, também vivendo ilegal na Alemanha.
Chernor envolve-se ocasionalmente com o tráfico de drogas, na esperança de ganhar dinheiro suficiente para financiar seu grande sonho: viver na distante Austrália. Apesar dos riscos cotidianos, do medo constante de ser detido pela polícia e mesmo considerando as diferenças culturais entre os dois, Baran e Chernor tornam-se fiéis amigos por um bom tempo. Até Selim entrar no jogo. Ele é reconhecido por Baran como o dedo-duro, suposto responsável pelo assassinato de seus pais. Ao tentar vingar a morte destes, Baran provoca uma reviravolta nos acontecimentos.
Histórias de família
O diretor Yüksel Yavuz nasceu em 1964 em Karakocan, um povoado curdo na Turquia. Aos 16 anos, emigrou para a Alemanha. Em Hamburgo, estudou Economia, Política e, mais tarde, Comunicação Visual. Neste período, Yavuz rodou o documentário Meu Pai, Trabalhador Estrangeiro (Mein Vater, der Gastarbeiter), em 1994/95, no qual tematiza a história de sua própria família. O longa recebeu o prêmio de melhor filme no Festival Internacional de Documentários de Munique.
O grande público, porém, só conheceu Yavuz com seu primeiro longa de ficção Filhos de Abril (Aprilkinder), de 1998. Premiado várias vezes dentro e fora do país, o filme retrata uma família de imigrantes curdos vivendo na Alemanha e se equilibrando entre a tradição e a vida urbana moderna.
Sem Liberdade, o mais novo filme de Yavuz, retoma a temática do imigrante e leva à tela, de forma autêntica, o universo de Baran e Chernor, cuja amizade e cujos sonhos e amizade mostram-se como a única “pequena liberdade” possível na triste realidade em que vivem. Os atores, ambos amadores, foram encontrados pelo diretor “nas ruas".
"Cagdas vem, por acaso, do mesmo povoado curdo que eu e Leroy mora na esquina da minha casa, em Hamburgo”, conta Yavuz. Rodado a partir da perspectiva de Baran, o jovem de 16 anos, Sem Liberdade faz uso todo o tempo da câmera subjetiva, conduzida pelos olhos de seu protagonista.
Não ao romantismo com conotação sócio-política
O roteiro de Sem Liberdade convence pela autenticidade com que revela a biografia dos protagonistas. O diretor Yavuz, ele próprio roteirista do filme, conta que trabalhou anos a fio como tradutor no Departamento de Estrangeiros de Hamburgo: “Ali conheci muitos jovens sem casa, que vivem ilegalmente na Alemanha. A história de Baran foi tirada daí, dessas tristes histórias de vida”.
Yavuz pretende, com seu novo fime, mostrar uma outra face da Alemanha, muitas vezes desconhecida ou ignorada: “Em primeiro plano, quero chamar a atenção para a situação miserável dessas pessoas, que vivem ilegalmente na Alemanha e são obrigadas a sobreviver no submundo.
Estima-se em um milhão o número de estrangeiros vivendo na ilegalidade, aos quais não é dada qualquer oportunidade. É este problema que quero sublinhar”, conclui o diretor. Sem Liberdade, que foi premiado no último festival de cinema de Cannes, dentro do ciclo Quinzena dos Realizadores, chega agora aos cinemas alemães.