Cineasta registra cena tecno proibida do Irã
28 de setembro de 2016Para a cineasta alemã Susanne Regina Meures, tudo começou há muitos anos, quando ela leu numa revista um texto sobre festas tecno no deserto persa. Meures, ela própria admiradora de música, não conseguia deixar de pensar nas pessoas que saem para dançar e aliviar suas tensões enquanto vivem sob um dos regimes mais opressores do mundo – e que baniu a música ocidental.
Para seu documentário sobre a cena tecno iraniana, proibida no país, Meures teve que ser muito discreta: ela usou a câmera de um celular e foi guardando os cartões de memória em seu sutiã – o único lugar seguro diante das revistas constantes da polícia. Toda vez que saía do Irã, a diretora não tinha certeza se teria permissão para voltar.
Mas esses são problemas menores se comparados à realidade diária enfrentada pelos músicos e DJs iranianos. Anoosh e Arash, os dois DJs de Teerã em torno dos quais gira Raving Iran, o filme de Meures, conduziram a diretora através dos procedimentos burocráticos kafkianos que negam a eles o direito de lançar sua música "satânica". Forçados a atuar na clandestinidade, Anoosh e Arash organizam festas ilegais distantes do centro da cidade, às vezes no deserto. O filme capta o espírito dessas pessoas, para quem a festa tecno não é apenas mais uma diversão de fim de semana, mas um ato de rebeldia e uma declaração de liberdade.
Raving Iran foi elogiado pela crítica durante o Festival Hot Docs, de Toronto, no Canadá, no Visions du Réel, na Suíça, e no Festival Encounters, da Cidade do Cabo. E nesta segunda-feira (26/09) ano chegou a Berlim, com pré-estreia esgotada. Antes da estreia, Meures contou à DW como fez esse documentário ousado e porque ela espera que seu filme influencie a postura da Europa frente à imigração.
DW: Você entrou em contato com muitas pessoas na cena musical do Irã, mas a maioria teve medo de falar em público. Como conseguiu convencer Anoosh e Arash a participarem do seu filme?
Susanne Regina Meures: Para ser honesta, não os convenci. Eu disse a eles no que estava interessada e perguntei se eles estariam interessados em fazer parte do filme. Eles disseram imediatamente que "sim", apesar dos riscos. A grande questão era como, no fim, tratar o material de maneira segura para todo mundo. Anoosh e Arash deixaram o Irã, e só por isso pude trabalhar com o material do filme como trabalhei. Se eles tivessem ficado lá, eu teria que ter feito um filme diferente. Provavelmente teria que ter trabalhado com vozes em off e teria definitivamente encoberto os rostos deles.
Como eles descobriram a música eletrônica se ela é ilegal no país?
Através da internet e de CDs que amigos levaram de outros países. YouTube, Facebook e Soundcloud são bloqueados no Irã, mas Anoosh e Arash usam serviços externos para burlar as restrições. É daí que eles tiram sua inspiração e é assim que se conectam ao mundo. Muita gente no Irã faz a mesma coisa. Eles ouvem música ocidental em casa, mas não podem fazer isso em público.
Considerando isso, é impressionante como o Irã aparece ocidentalizado no seu filme. Arash está sempre usando um boné com a logomarca da Red Bull, ele tem uma tatuagem no braço, e ambos dirigem carros ocidentais.
A população urbana do Irã, especialmente a classe média jovem, é muito ocidentalizada. Ou, digamos, voltada para o Ocidente. No entanto, os filmes ocidentais, a literatura, o teatro e todo tipo de cultura ocidental são restritos e, em grande parte, proibidos no país. Quando houve uma mudança de poder, no fim dos anos 1970, e os conservadores assumiram o governo, essa foi a forma escolhida por eles para tentar diminuir qualquer tipo de prazer para o povo iraniano. No fim, é tudo uma questão de poder e de restringir influências externas para exercer mais poder sobre as pessoas através de suas próprias ideias.
Como é participar de uma festa ilegal no Irã?
As festas são normalmente feitas em casas particulares, em algum lugar nas montanhas ou fora da cidade. Das festas feitas no deserto participam normalmente só os amigos e os amigos dos amigos. Não é uma coisa que você pode tornar pública no Facebook e a cidade inteira aparece. Isso seria muito perigoso.
Comparadas às nossas próprias festas no Ocidente, o mais estranho é que as garotas chegam com seus véus e roupas compridas e são conduzidas a uma sala especial, onde podem trocar de roupa. E de lá saem com as roupas que conhecemos: minissaias, saltos altos, maquiagem. Você pode comprar tudo isso em lojas locais, mas não pode usar em público. Quando a festa começa, a aparência é a mesma de uma festa em qualquer lugar da Europa. As pessoas dançam e se divertem.
Quais foram os maiores desafios para fazer esse filme?
Fazer esse filme foi um desafio desde o início. Primeiro, porque foi difícil ter acesso aos jovens que promovem essas festas. E, por fim, ganhar a confiança deles. Todo o processo de filmagem também foi difícil. Eu filmei sem permissão e ainda tive que entrar no país diversas vezes. E nunca sabia se eles iriam expedir mais um visto de turista. Eu não podia levar nenhum equipamento para o Irã, além de uma pequena câmera fotográfica. Meu equipamento de som foi confiscado imediatamente. Por sorte, eu o havia enviado por um serviço de entrega rápida, e ninguém conseguiu rastrear o meu nome.
Eu não tinha lugar para ficar. Meus amigos não podiam me hospedar porque seria muito arriscado para eles. Hotel tampouco era uma opção. Eu chamei a igreja onde tínhamos estado alguns dias antes, mas eles gentilmente pediram para irmos embora, pois sentiam-se desconfortáveis com o que eu estava fazendo. Acabei dormindo no chão da casa de uma pessoa durante meses. Fomos parados constantemente pela polícia. Depois de gravar imagens, eu sempre trocava o cartão de memória por um cheio de imagens turísticas. E guardava o cartão de memória com as imagens do filme no meu sutiã. Em algumas cenas, usei um iPhone para gravar, que escondia numa camisa.
Outro problema foi tirar as imagens do país. Acabei pagando estudantes iranianos, que estudam no exterior, para levar os HDs com eles. Assim as imagens acabaram indo parar em muitos lugares da Europa, de onde foi sendo enviado para Zurique, onde eu vivo. Mas nunca pensei em abandonar o projeto por causa disso. Você simplesmente encara a coisa como ela é. Faz parte do pacote. Não diria que não sou uma pessoa medrosa – é claro que sou em diferentes aspectos da vida. Mas, quando se trata de autoridades, acho que tendo a me transformar em rebelde.
Seu documentário é muito intimista. Tem uma cena em que Anoosh termina com sua namorada e quase parece um filme de ficção.
Eu me tornei parte da vida deles. No início, eu tinha um câmera para registrar as imagens, mas depois percebi que seria melhor fazer tudo sozinha. Eu estava sempre por perto, e eles meio que se esqueciam de mim. Pode parecer estranho, mas penso que era uma vantagem o fato de eu não falar a língua. Eu não podia entender o que diziam, e por isso eles falavam muito abertamente, esquecendo muitas vezes que eu iria mandar traduzir tudo depois.
Há uma cena em que Anoosh e Arash pensam em deixar o Irã e ir para a Suíça, mas descobrem que 50% da população suíça votou pela restrição da imigração. Você acha que seu filme pode modificar a postura da Europa frente aos imigrantes do Oriente Médio?
Essa é uma meta muito elevada. É claro que estou esperando que o filme possa mudar a perspectiva das pessoas. O filme mostra que não há somente refugiados econômicos, mas também refugiados sociais, que não podem viver em seus países de origem porque suas liberdades individuais são cerceadas com tal intensidade que tudo se torna insuportável. Mas as pessoas que vão ver meu filme já têm, de qualquer forma, provavelmente uma mentalidade bem liberal. De maneira que não acho que haja alguma grande mudança a ser feita. Mas sempre se pode ter esperanças!
Onde estão Anoosh e Arash agora?
Não quero divulgar um spoiler do fim do filme, mas posso dizer que eles vivem na Europa. Eles moraram num campo de refugiados durante dois anos e se mudaram há alguns meses. E estão tentando se estabelecer, achar casa e trabalho.
O que DJs e artistas ocidentais podem aprender a partir da experiência deles?
Muitos dos meus amigos artistas na Europa estão reclamando da situação que vivemos aqui: eles não recebem o suficiente, os shows se tornam mais complicados e o público está piorando. Acho que é da natureza humana, as pessoas estão sempre reclamando, não importa em que país vivam. Mas acredito que, ao verem Raving Iran, eles compreenderão que seus problemas não são nada se comparados ao que veem no filme.