Cidades 'mistas' de Israel lutam para reconstruir confiança
25 de maio de 2021As principais ruas de Jaffa estão estranhamente silenciosas, algo incomum para um sábado na cidade mista de população árabe-judaica, oficialmente parte integral de Tel Aviv desde outubro de 1949.
Passaram-se menos de dois dias desde que entrou em vigor um cessar-fogo entre Israel e Hamas e, até agora, a trégua se manteve: nenhum foguete foi disparado da Faixa de Gaza contra Israel, e os militares israelenses não lançaram nenhum ataque aéreo contra o território governado pelo Hamas – um dos lugares mais densamente povoados da Terra.
Mas a trégua oficial ainda não foi sentida em algumas das comunidades mais frágeis de Israel: as cidades mistas de árabes e judeus.
"Em Jerusalém [Oriental], judeus e palestinos não compram sequer pão uns dos outros se não quiserem", disse Samah*, de 31 anos e habitante de Jerusalém, que, como todos os palestinos entrevistados para este artigo, só aceitou falar sob condição de anonimato.
Em Haifa, para onde Samah se mudou há apenas dois meses, ela se sente diferente. "Soa terrível, mas em Jerusalém, pelo menos eu sentia que podia me esconder em minha própria bolha. Se ficasse apenas na parte oriental, eu não tinha que enfrentar o racismo judaico e a discriminação", diz ela sobre o setor onde os palestinos constituem a maioria dos residentes.
"Em Haifa, judeus e palestinos são forçados a esbarrarem uns com os outros diariamente. A cidade não está dividida em duas partes como Jerusalém."
A cidade setentrional, a terceira maior de Israel, se orgulha de ser um modelo de coexistência árabe e judaica, mas as tensões e a hostilidade ainda existem – e se agravaram em violentos confrontos durante os 11 dias de conflito.
Apenas dois dias após o Hamas lançar seus primeiros foguetes contra Jerusalém, manifestantes judeus em Haifa atiraram pedras em um motorista palestino. Em outro incidente, cinco árabes israelenses atacaram um judeu de 30 anos na cidade mista de Acre, no norte do país.
Tais incidentes estão longe de serem isolados.
Cessar-fogo não é suficiente
Cidades mistas de árabes e judeus como Haifa, Lod e Jaffa – nas quais judeus e palestinos convivem entre si há décadas – podem não ter sido diretamente atingidas por foguetes, mas ainda ardem por dentro.
"Não existe uma coexistência real", diz Samah, quando fala sobre seu novo lar em Haifa. "Também aqui os palestinos sempre foram [cidadãos] de segunda classe. Só está mais óbvio agora."
Para Halil*, de 15 anos, nascido e criado em Jaffa, o cessar-fogo de sexta-feira foi "uma notícia fantástica, mas é apenas o começo", explica ele ao atender o único cliente da padaria de sua família, que, em condições normais, costuma ser lotada de fregueses palestinos e judeus.
"[A] polícia bloqueia as ruas daqui todas as noites, impedindo as pessoas de passar, nos interrogando. Por quê? Somos criminosos? Só queremos viver nossas vidas em paz – em nossa terra".
O único cliente da loja – Adam, de 42 anos, um morador judeu de Jaffa – concorda.
"Não importa qual seja sua posição política, o fato é que tanto judeus quanto palestinos terão que aprender a conviver uns com os outros. Não há outra possibilidade realista."
No auge da agressão, no subúrbio de Bat Yam de Tel Aviv – que faz fronteira com Jaffa – uma multidão israelense de extrema direita apareceu ao vivo na televisão israelense espancando violentamente um homem que jazia imóvel no chão. O motivo? Supostamente, o grupo acreditava que ele fosse palestino.
Antes disso, dezenas de extremistas israelenses de direita marcharam pela cidade, atacando várias empresas de propriedade de árabes, quebrando janelas e entoando slogans racistas.
Em Lod, onde 40% da população é árabe, um palestino-israelense de 32 anos foi baleado e morto, enquanto uma sinagoga e outras propriedades judaicas foram incendiadas. No final da semana passada, um judeu morreu após ser atacado por um grupo de árabes israelenses.
Do lado de fora da sinagoga carbonizada de Lod, Yoel Frankenburg, morador judeu de 34 anos, disse à agência de notícias France-Presse que "os árabes estão tentando nos matar", acrescentando que "eles [residentes palestinos] me atacaram, atiraram pedras em mim... eu tive que mandar meus filhos para fora da cidade."
Confiança quebrada
Por enquanto, como o cessar-fogo se mantém, a vida recomeça lentamente na Faixa de Gaza e em Israel. Vendedores espanam as prateleiras das lojas, os cafés reabrem e os habitantes locais voltam cautelosamente às ruas de suas amadas cidades. As autoridades de Gaza anunciaram que os escritórios do governo iriam reabrir no domingo.
Durante os 11 dias de hostilidades, Israel lançou centenas de ataques aéreos na superpovoada Faixa de Gaza, matando 248 pessoas, incluindo 66 crianças, e ferindo mais de 1,9 mil, de acordo com o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas.
Segundo as Nações Unidas, mais da metade dos mortos eram civis.
Doze pessoas também foram mortas por foguetes em território israelense, incluindo uma criança, um adolescente, um soldado israelense, um indiano e dois tailandeses, informou a polícia do país. Cerca de 357 pessoas ficaram feridas em Israel.
Militares israelenses acrescentaram que o Hamas, a Jihad Islâmica e outros grupos militantes dispararam cerca de 4.350 foguetes, muitos dos quais não alcançaram Israel ou foram interceptados.
Nas cidades mistas de Israel, no entanto, as baixas não foram resultado de bombardeios, nem de foguetes – e sim de linchamentos, apedrejamentos e tiroteios.
Depois de 11 dias de conflito, os palestinos e judeus que vivem nessas comunidades ainda chamam suas cidades de lar, mas os danos causados – tanto física quanto psicologicamente – podem levar anos para serem reparados.