Pela liberdade
22 de junho de 2010Pouco depois de ter completado 75 anos e menos de um ano após a morte de sua mulher, Jeanne-Claude, o artista plástico Christo tem trabalhos expostos em dois museus alemães: a Kunsthalle de Wuerth e o Museu Max Ernst, de Brühl. À Deutsche Welle, o artista explica por que suas obras tematizam acima de tudo a liberdade.
Deutsche Welle: Você tinha uma relação tão simbiótica com Jeanne-Claude. Como é, para você, continuar a trabalhar agora em projetos que vocês planejaram juntos?
Christo: Sempre soubemos que um de nós seria o primeiro a ir, sabíamos disso nos últimos quase 50 anos. Desde que nos conhecemos, em 1958, sempre voávamos em aviões diferentes, para que um estivesse em condições de continuar o trabalho que começamos.
De forma que tudo já estava, de certa forma, preparado. Esses projetos demoram tanto para serem permitidos e realizados, que sempre imaginávamos que isso podia acontecer.
Muita gente tenta entender a ideia de que você não trabalha por dinheiro. O que diz o fato de as pessoas terem tantos problemas para entender que você faz arte simplesmente para criar uma nova arte sobre a sociedade em que elas vivem?
Isso tem a ver com a forma como fui criado e educado na Bulgária sob o regime comunista. Basicamente, os projetos tratam, em grande parte, da liberdade.
É claro que eu ganho dinheiro vendendo os desenhos preparatórios e estudos para os projetos. No papel, coloco minhas visões, as visões de Jeanne-Claude, nossas visões. Produzo também uma variedade de bens tangíveis para levantar os fundos necessários à execução dos projetos, que não podem ser comprados nem são de propriedade de ninguém. Nem eu nem Jeanne-Claude somos proprietários deles.
Esses projetos tratam da liberdade. E a liberdade é inimiga da propriedade e possuir é o mesmo que permanecer. Os seres humanos gostam de estar próximos de coisas que são únicas como eles são, de coisas que não vão acontecer de novo. Os projetos têm uma qualidade de fragilidade e ternura, como nossas próprias vidas ou nossa própria infância. Eles não podem ser substituídos ou repetidos.
Mas que problemas você acha que a nossa sociedade tem para entender o que você está tentando fazer com seu trabalho?
Eu mesmo nunca pensaria sobre isso. Gostamos de construir esses projetos porque gostamos deles nós mesmos, como acontece com todo verdadeiro artista. Qualquer artista – seja ele um pintor abstrato, um pintor de aquarelas, não importa – gosta de seu trabalho e vive para executá-lo. Os projetos começam com um desejo quase visceral de realizar alguma coisa porque você acha que aquilo é bonito. Se alguém gosta do seu trabalho, é quase como um bônus, uma dimensão adicional.
Esses projetos lidam com uma variedade imensa de dimensões estéticas. Uma obra de arte tridimensional é diferente de uma pintura sobre uma superfície lisa. Com uma escultura, você pode se mover ao redor dela, perceber seu volume e suas dimensões. Mas todo aquele espaço é inteiramente controlado pelo artista, que exerce um controle absurdo sobre o espaço.
No entanto, há outro espaço sobre o qual refletimos muito pouco. No momento em que você volta para casa, alguém desenhou a calçada, as ruas e as luzes. Basicamente 24 horas por dia, vivemos num espaço altamente planejado, sobre o qual não pensamos.
Com o nosso trabalho, a gente mais ou menos pega emprestado esse espaço e cria um suave distúrbio durante alguns dias. Fazendo isso, herdamos tudo o que é inerente àquele espaço e ele se torna parte da obra de arte.
Você acaba de completar 75 anos. Isso é significativo sob vários aspectos, não é?
Pelo menos, estou vivo [risos]. Mas realmente não penso sobre isso. Vivo no mesmo prédio há 46 anos. Subo 90 graus aproximadamente 15 vezes ao dia, não tenho elevador.
Você talvez gostaria de fazer algo permanente nesse estágio da sua vida?
Faço muita coisa permanente – muitos desenhos, esboços, colagens e esculturas. Eles são permanentes e estão expostas em museus. Não sou contra a ideia de as coisas existirem permanentemente.
Por exemplo, toda vez que um grande projeto é finalizado e removido, ele recebe sua própria exposição de documentação, que conta a história do projeto. Há maquetes em escala, cabos, tecidos e amostras.
Tais exibições não substituem os projetos. Elas apenas os documentam. E através delas deveríamos ver as conexões com todos os trabalhos – pois eles são conectados, e não separados. A realidade comum a esses projetos é o fato de haver tantos níveis de percepção envolvidos. Creio que essa seja a ideia central do nosso trabalho – o fato de que ele não pode ser separado.
Entrevista: Breandain O'Shea (sv)
Revisão: Rodrigo Rimon