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Cerca na fronteira húngara é "desperdício de recursos"

Lidija Tomic (mp)30 de julho de 2015

Na tentativa de impedir entrada de migrantes, Hungria constrói barreira de 175 quilômetros ao longo do limite do país com a Sérvia. Para analistas, projeto milionário apresenta brechas e contraria regras internacionais.

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Foto: Reuters/L. Balogh

Entre densos arbustos, foram erguidos os primeiros 150 metros da planejada cerca de 175 quilômetros de extensão na fronteira húngara, nos arredores da cidade de Morahalom, no sul do país.

Alguém poderia pensar que é difícil não avistar uma cerca de quatro metros de altura, mas ela está relativamente bem escondida. Olhando a partir do lado sérvio, a fronteira é coberta por uma vegetação espessa. Para migrantes famintos e exaustos, que caminham por pomares e vinhedos arenosos a uma temperatura de 40 graus, o verde é uma espécie de oásis. Toda área é coberta por mato, arbustos e árvores e é ideal para descansar antes de continuar a caminhada – como fizeram Omar e seus amigos.

Eles estavam seguindo uma mangueira que irrigava um campo ali perto, em busca de água para beber e se refrescar do sol escaldante. "Saímos da Síria há três semanas. Minha casa foi destruída por um míssil disparado pelo Exército, e eu não sabia o que fazer a não ser me juntar a meus amigos na busca por uma vida melhor. Não vamos ficar muito tempo aqui, estamos procurando a fronteira", contou Omar. Ao dizer isso, o menino de 17 anos, natural de Aleppo, nem imaginava que estava a apenas cinco metros da cerca húngara.

Nossa conversa foi interrompida por um barulho estranho. Omar e seus amigos rapidamente pegaram suas bolsas e seguiram adiante. Assim que saíram, o som se tornou mais claro: vinha de um trator e de outras máquinas usadas por soldados húngaros para nivelar o solo.

Falhas na cerca

À primeira vista, a cerca com arame farpado no topo intimida, como queriam seus criadores. Mas ela tem uma falha. A cerca fica a 2,5 metros da fronteira, e todo o migrante que chegar à sua base ou subi-la vai tecnicamente estar em território húngaro e, por isso, sob a jurisdição do país. Portanto, sob o ponto de vista legal, a cerca não pode impedir estas pessoas da Síria, Afeganistão, Paquistão ou de qualquer outro país de pedir asilo.

"A cerca será erguida em solo húngaro. Quando a cerca estiver construída, os postos de fronteira não vão desaparecer, já que o tráfego cotidiano precisa ser garantido", diz Aniko Bokonyi, diretora de projetos do Helsinki Committee na Hungria, ONG que trabalha pelos direitos humanos.

"Migrantes chegando ou parados na passagem da fronteira não podem ser impedidos de solicitar asilo, se assim desejarem. A polícia ou outros agentes autorizados não podem ignorar ou fazer de conta que não entendem seus pedidos – nem na cerca nem nos postos de fronteira", afirma.

Desde março de 2015, de 60% a 80% dos requerentes de asilo de países como Síria, Iraque ou Afeganistão foram para a Hungria, o que acabou criando novos problemas para as autoridades. No entanto, segundo Bokonyi, instituições e organizações que trabalham com esse público não recebem apoio suficiente do governo. Pelo contrário, o governo pretende fechar todos os abrigos que operam dentro dos limites de cidades e transferir os migrantes para acampamentos fora das áreas habitadas.

"Uma parte dos recursos desperdiçados na construção da nova cortina de ferro poderia aliviar de forma significativa o déficit de capacidade de asilo. Esses problemas não vão ser resolvidos por uma cerca, porque o objeto por si só não vai ser capaz de conter a migração nem de mudar a posição geográfica do nosso país", afirma Bokonyi. A construção da cerca deve custar ao governo húngaro 21 milhões de euros.

Fluxo crescente

O fluxo de entrada de migrantes aumentou significativamente desde que o governo anunciou o plano de construir a cerca. Milhares de refugiados estão chegando à Sérvia, tentando aproveitar a situação favorável enquanto ainda há tempo. De fato, a cerca vai dificultar a migração irregular, mas, ao mesmo tempo, beneficiar contrabandistas e aumentar práticas corruptas.

O governo húngaro espera que até 300 mil migrantes cheguem ao país neste ano, duas vezes mais do que o estimado anteriormente. Até o momento, mais de 80 mil pessoas que cruzaram a fronteira de forma ilegal foram capturadas pela polícia. O Parlamento do país aprovou uma nova lei, que torna mais severas as regras para o asilo, permite a detenção de migrantes em campos temporários, acelera os processos de asilo e limita a possibilidade de recurso à decisão.

"Nossa principal preocupação é que 99% dos pedidos de asilo de pessoas que vieram via Sérvia serão automaticamente rejeitados, sem serem analisados. As autoridades têm oito dias para decidir, e os migrantes, apenas três dias para recorrer. A deportação é possível enquanto a análise [do pedido de asilo] está em curso, sem uma audiência", diz Bokonyi.

Temendo que refugiados que pediram asilo primeiramente na Hungria e seguiram adiante fossem mandados de volta pelos países ocidentais, há um mês, a Hungria suspendeu por tempo indeterminado a regulação europeia Dublin III – que estabelece os critérios e mecanismos para se determinar qual país-membro da União Europeia é responsável por analisar um pedido de asilo.

"A Hungria vai se tornar um campo de refugiados", advertiu o primeiro-ministro Viktor Orban. Mas este não é o caso atualmente. De 40 mil a 50 mil migrantes que deixaram a Hungria em 2013 e 2014, 1.350 foram deportados. Das quase 3 mil pessoas que entraram na Alemanha após pedirem asilo na Hungria nos primeiros três meses de 2015, apenas 42 foram mandadas de volta.

Dinheiro mal aplicado

Estima-se que existam atualmente entre 3 mil e 4 mil requerentes de asilo na Hungria. Na vizinha Sérvia, 55 mil migrantes manifestaram intenção de se candidatar ao estatuto de asilado. Conforme a Cruz Vermelha, cerca de mil pessoas chegam à Sérvia todos os dias. No entanto, elas ficam por pouco tempo, somente para receber assistência básica e descansar da longa viagem. A maioria quer chegar à Alemanha, Suíça ou aos países escandinavos.

"A polícia toma medidas eficazes para prevenir o fluxo ilegal de migrantes ao longo da fronteira entre Hungria e Sérvia. Quase todas as pessoas que cruzam a fronteira são pegas. No entanto, a Hungria não pode mandá-las de volta para a Sérvia imediatamente, porque essas pessoas requerem asilo e, por isso, a Hungria é obrigada a levar adiante o processo e decidir se aprova o asilo ou não", diz o diretor executivo do Centro de Proteção ao Asilo da Sérvia, Rados Djurovic.

Ele explica que refugiados têm o direito de buscar asilo, não importa se entraram no país legalmente ou não e se têm visto, passaporte ou outros documentos. "Refugiados são isentos de qualquer acusação criminal por transposição ilegal de fronteira", afirma Djurovic. Para ele, a Hungria não deveria gastar dinheiro desnecessariamente com uma cerca, mas investi-lo de forma mais eficiente em ajuda humanitária, construindo novos centros para refugiados e disponibilizando melhor assistência para requerentes de asilo.

Djurovic enfatiza que a Hungria está fazendo um jogo perigoso ao transferir seus problemas para a Sérvia, que tem a própria agenda, em busca da adesão à União Europeia. "A cerca não é a solução", diz, afirmando que sua construção é contrária à Convenção das Nações Unidas sobre refugiados, à legislação da União Europeia em matéria de asilo e ao Acordo de Schengen.